sexta-feira, 19 de junho de 2015

PAPIRO VIRTUAL 95

Roberto Rillo Bíscaro

A crise da meia-idade foi punk pro Pai da Moderna Literatura Sueca, August Strindberg. Ele denominou esse período de sucessivas crises psicóticas de seu inferno. O dramaturgo achou consolo nas ideias de seu compatriota do século XVIII, Emanuel Swedenborg, que acreditava em contato com mortos, dizia que nossos corpos são apenas invólucros pros espíritos (“we are spirits in a material world”, desculpe, não deu pra evitar cantarolar The Police) e influenciou maluquetes como William Blake e Baudelaire.
Li uma peça menor do cânon strindbergiano, Brott och Brott, traduzida pro inglês como There Are Crimes and Crimes (1899), escrita precisamente no cinquentenário do autor, um ano depois da influente e badalada Rumo a Damasco.
A ideia central é que mesmo quando pensamos alguma maldade já estamos cometendo um crime, mesmo ele não sendo previsto no código penal. Trata-se, então, da recontextualização da afirmação de Cristo, no Evangelho de Mateus, de que quando se olha pruma mulher com malícia o adultério já se consumou.
Depois de anos na luta, Maurice finalmente terá sua peça estreando nos prestigiosos palcos parisieneses. No mundo pré-cinema/TV/Youtube, essas coisas podiam deixar um escritor rico e celebrizado, especialmente na capital cultural do mundo ocidental. Maurice mantém relacionamento morno com Jeanne, com a qual tivera uma filha, Marion. Mantendo a estrutura temporal herdada de Aristóteles, onde tudo acontece feito avalanche, em pouco mais de 24, 36 horas Maurice conhece Henriette, amante de seu amigo Adolphe, ambos se apaixonam, pensam como seria bom se não houvesse a pequena Marion em seu caminho, a peça de Maurice é sucesso estrondoso, Marion morre em circunstâncias misteriosas, Maurice passa de sucesso instantâneo a pária da hora, ele e Henriette começam a se culpar e desconfiar um do outro, a causa da morte da menina é descoberta e Maurice acha seu caminho.
Essa rapidez não é problema, quando se entende e aceita a convenção; o que diminui a peça no conjunto da obra de Strindberg é a solução chocha, de meio termo, indicativa de que é possível desfrutar do melhor dos 2 mundos, o material e o espiritual depois de se haver passado por turbulência mental tão intensa. Até dá pra aceitar a noção de temperança, incrustrada no mundo protestante onde Strindberg se criou. Mas ela é decidida quase tão casualmente como se escolhe a cor do casaco pra sair de casa. Bem brochante o final.
Mas, There Are Crimes and Crimes tem seus momentos – Strindberg era bom. A discussão acerca do que é legal ou moral e a construção dialógica da cena em que Maurice e Henriette começam a achar elementos/argumentos pra se acusar é típica dança da morte entre os sexos de Strindberg
Quem quiser treinar inglês, tem áudio-livro no Yutube.

Nenhum comentário:

Postar um comentário