quarta-feira, 24 de junho de 2015

CONTANDO A VIDA 115




Em um texto terno, nosso historiador-cronista relembra uma daquelas amizades eternas e um livro que marcou a infância/adolescência de muitos de nós. Lindo, lindo... 



ÉRAMOS TRÊS...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Dia desses, andava meio acabrunhado, com saudade de mim mesmo e dos chamados “bons tempos”. Bateu uma certa melancolia e dei asas a esse sentimento tão fora de moda. Demorei para entender o que se passava e o diagnóstico veio manso e bom, como uma brisa confortável em dia quente. Confesso que minha primeira reação foi indagar se o que sentia era algum tipo de depressão. Perguntei-me, algo perplexo “será que estou com o mal do século”? Do século XIX, diga-se. Logo vi que não, mas mesmo assim fiquei melindrado, pois melancolia também é coisa de antigamente.
 Desbravado o universo conceitual, passei para outro estágio analítico: o que teria motivado aquela viagem ao meu passado? E aos poucos a rememoração foi se fazendo narrativa. Havia dado um tempo em leituras pertinentes, mas exaustivas, e fui para o facebook – acontece de vez em quando, viu? Entre as “novidades”, meu amigo Luis Fernando Vieira Negrini, postava uma foto ao lado de sua filha Leda. Tratava-se do aniversário da moça. Fiquei encantado ao ver aquela menininha, hoje crescida, linda e com olhar feliz. Num impulso imediato, mais do que “curtir”, escrevi: Parabéns, pergunte ao seu pai por quê. Estava dada a largada para minha interiorização. E deixei-me levar por uma saudade arrebatadora. Fernando foi meu grande amigo. O melhor, diria. Com ele ao lado, atravessei os anos difíceis da adolescência e mesmo quando virei aluno de colégio interno mantivemos viva correspondência. Ah! a prática das cartas enviadas pelo correio, com selos sobre os envelopes...
Mas, nossa amizade não se resumia a nós dois. Havia um entorno fantástico e um terceiro nome compunha a solidez de um relacionamento que sempre foi forte, alegre, confidente, amigo mesmo, enfim. Paulo Francisco Moreira completava o trio. E como ríamos, a par dos sofrimentos característicos da idade. Nossa! E tudo era tão bonito e pleno que não faltavam amigos complementares. Vivíamos unidos, e juntos fazíamos uma espécie de clube paralelo, exclusivo. Frequentávamos outros grupos, muitos aliás, mas nos bastávamos para discutir filmes, leituras e, sobretudo o destino futuro. Li outro dia uma frase que me deixou pensativo: não se faz amigos verdadeiros depois dos 30 anos. Sei lá se isso é verdade, mas no real de minha experiência aquele trio está entre as melhores coisas que me aconteceram. Crescemos, casamos e tivemos filhos, profissionalizamo-nos e a vida cuidou de nos separar. Temos afinidades eletivas e sei da solidez daquela experiência e a presença desta certeza nos é referencial. Preside até um inexplicável respeito ao passado, algo que não nos permite reencontros frequentes. Seria factível planejar situação em que nos juntássemos, mas para quê? A distância, ironicamente, possibilita guardar o perfume de um tempo que foi único. E sem qualquer comunicação retraçamos um pacto de silêncio.

Depois que meditei sobre essa ligação de amizade antiga, pensei em escrever sobre isso. Virar crônica, porém, exigiu um enquadramento formal e demandava título. Logo, então, me veio à memória um livro que àquela altura da vida, no tempo real do passado longínquo, me marcou profundamente. Não se trata de nenhum clássico, mas de um texto terno e alentador “Éramos seis”, escrito por Maria José Dupré. Tratava-se de uma história comum, estranha até. O drama vivenciado nos anos de 1920, transcorria até a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. O curioso é que a narrativa não amarra uma história de amor central, sobre a qual giraria o enredo. Nem é um texto de indagações ontológicas, ou sequer tem suspense. Trata-se de circunstâncias rotineiras, de uma família qualquer. O diferencial daquele escrito está no afeto que enlaça os personagens. A ligação emocional dos filhos de dona Lola é comovente, do começo ao fim. Curiosamente, “Éramos seis” virou novela e foi exibida em 1994, constituindo-se em sucesso vertido para televisão por Sílvio de Abreu e Rubens Ewald Filho. Pois é, precisei deste mote para nomear a crônica presente. Dei parabéns a Leda exatamente por evocar na simpatia do romance de Maria José Dupré o resultado de uma experiência que de certa forma a integra.

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