quarta-feira, 10 de junho de 2015

CONTANDO A VIDA 113

Nosso historiador-cronista fala sobre seu bem sucedido livro Prostituição à Brasileira e também sobre a relação do tema com o Big Brother.

EX BBB: SALIÊNCIAS E FAVORES

José Carlos Sebe Bom Meihy

Foi assim: o telefone tocou e se tratava de uma jornalista querendo saber do vínculo temático do meu livro “Prostituição à brasileira: cinco histórias” com casos “da realidade de hoje”. Um tanto perplexo, perguntei “como assim, o livro não responde a isso? ”. Mediante a insistência, desenvolvi argumentos baseados na experiência decorrente de 72 entrevistas com brasileiras e brasileiros que exercitam a prostituição no exterior. Minha pesquisa, iniciada há mais de seis anos, desdobrou de dois fatores complementares: o número alarmante – calcula-se em 70 ou 75 mil patrícios nessa seara – e a pluralidade de adeptos – pessoas de diferentes classes sociais, idades e condição de escolaridade. Também me vali da nossa perigosa reputação sexual e das consequências temerosas que isso tem causado nos meios diplomáticos, discriminatórios em países que dificultam nosso ingresso. O pressuposto que rege minha reflexão, no entanto, vai além do problema institucional, e dirige-se em primeiro lugar à necessidade de “desvitimizar” prostitutas e prostitutos, vistos sempre como refugo, estorvo ou empecilho. Parto do princípio que reconhece nesses agentes, autonomia soberana e direitos garantidos inclusive por Constituições. Não estou dizendo que não haja pessoas exploradas, casos de oprimidos pelo tráfico de pessoas, abusados pelas diferentes máfias e aproveitadores. O que me parece fundamental, porém, é o reconhecimento de atributos que mulheres e homens adquirem no convívio por vezes difícil – mas também prazeroso – na prática do uso do corpo aqui ou alhures. Sabe-se da complexidade do assunto que, por certo, tem filtro cultural entranhado. A aproximação da prostituição ao pecado, à proscrição social, à condenação, está claramente expressa em todos os Livros Sagrados e as igrejas não se limitam a condenar essa prática que, paradoxalmente, está presente em todas as sociedades, com maior ou menor tolerância.
A conversa com a jornalista prosseguia até o ponto em que ela insistiu, quebrando reflexões, “mas professor, dê um exemplo capaz de provar sua argumentação”. Foi muito fácil, perguntei se ela havia lido os jornais do dia. Algo irritada, ela disse que sim e perguntei-lhe então se teria algo a dizer do caso da ex-BBB, participante da quarta edição do Programa, Juliana Lopes Leite. “Ah, sim, vejo agora o que o senhor quer dizer”, contestou mudando o tom inquiridor. Juliana, a bela brasileira hoje com 34 anos, que se viu enrolada em uma história confusa, mal explicada, mas indicativa de atividades suspeitas. Trata-se de denúncia estampada no jornal norte-americano "New York Post" acusando o senador, por Nova Jersey, Robert Menendez, de 61 anos, do partido democrata, denunciando o tráfico de influência política destinado a ajudar doadores de sua campanha. Juliana entra no imbróglio como favorecida por ter sido namorada de um importante cirurgião, Salomon Melgen, um dos mais expressivos doadores da campanha do político. Publicamente, a ex-BBB afirmou que teve um relacionamento esporádico com o médico famoso, algo em torno de três ou quarto meses, mas que teria sido só isso. Dito assim, o enredo narrado não se configuraria em caso de prostituição, pelo menos nos moldes convencionais que caracterizariam o caso. A favor de implicações condenatórias, contudo, vale lembrar que Juliana posou para revistas masculinas em situações insinuantes e, sem maiores sucessos no Brasil, resolveu mudar-se para Miami e se tornar advogada. Este breve enunciado traz de volta os argumentos apresentados como hipótese de minha tese: não estamos falando mais de meninas pobres, vítimas da miséria e de falta de oportunidades. Assumida no mundo globalizado, boa parte dos brasileiros adeptos da prostituição no exterior se “empodera”, se impõe e assim nos ensina que nossos habituais critérios de promoção social não oferecem oportunidades para tantos que buscam fora do país uma outra chance. E conseguem. Os perdedores nesta equação somos nós, que não regulamentamos a prostituição prevista em lei e continuamos a manter a prática da exclusão. De certa forma, enquanto não se discutir a questão fora dos tabus estabelecidos, jamais teremos condições de discernimentos socialmente desejáveis. 

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