terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

TELINHA QUENTE 149



Roberto Rillo Bíscaro

A terceira temporada de House of Cards será disponibilizada pela Netflix em 27 de fevereiro. Pra entrar no clima da raposice política, vi a versão britânica: 3 temporadas de 4 episódios cada, exibidas em 1990, 93 e 95, com os títulos House of Cards, To Play the King e The Final Cut.
Por razões formais e contextuais a versão britânica tem mais ressonância e poder que a norte-americana. A dúzia de capítulos de toda a série inglesa não dá uma temporada da Netflix e o maquiavelismo de Francis Urquhart é tão grande e as ações tão centradas nele, que seu colega FrancisUnderwood – que tem que dividir mais seu tempo com outras personagens – fica meio com cara de reprodução (ninguém mandou os ianques adaptarem os livros depois da BBC). Some a folhetinização da segunda temporada americana e a britânica fica ainda com mais jeito de thriller político.
House of Cards conta a ascensão dum sociopata ao poder através do voto. Após o longo mandato de Thatcher, Urquhart começa sua escalada pra se tornar Primeiro-Ministro. Tory como a Dama de Ferro, Francis radicaliza a experiência neoliberal thatcherista, produzindo um reino onde a desigualdade social é gritante e vale tudo, até estourar guerras pra assumir e se manter no topo.
No “berço da democracia”, pra usar os termos da produção, Thatcher – execrada carta fora do baralho já na época - é fartamente mencionada, inclusive com controverso funeral, quando a política ainda vivia. Supercorajosas e garantidoras da liberdade de expressão a BBC e a Inglaterra, não? Só que no mundo de Urquhart o chefe de estado é um rei, bem parecido com o Príncipe Charles. Melhor não mexer com mamãe Bebeth, tá? Parece que se pode falar tudo, SQN, queridos.
E Francis parte pra cima do rei, sem intenção de derrubar a sagrada Monarquia, mas cioso de manter seu mando absoluto.
Ao assumir o poder por meios espúrios, conservá-lo mediante qualquer estratagema sem compromisso ético entre governo e povo, a personagem e a série atingem status de Shakespeare pra TV, sem exagero. Ricardo III e Macbeth vêm à mente. Essas reverberações artístico-históricas deixam a versão ianque no chinelo; não por culpa dos roteiristas/produtores da Netflix, mas pelo Bardo ter nascido em Stratford Upon Avon e não em Paris, Texas e pelo liberalismo/capitalismo terem sido gerados na ilha. Sorry, luv.
As terceiras e quartas intenções, sentimentos íntimos, culpas, ironia e incertezas de Francis são comunicadas através de apartes e solilóquios, convenções fartamente usadas por Shakespeare numa época em que não se dava bola pra quarta parede.
O final surpreendente assume tons de tragédia elizabetana, quando Elizabeth – uma Lady Macbeth sem vestígio de culpa e com nome da Rainha, atentem a isso – explica a inevitabilidade do desfecho.
O finado Ian Richardson não deixa pedra sobre pedra; seu Francis é perfeitamente odioso, mas não dá pra não sorrir quando ele levanta as sobrancelhas ou faz muxoxo quando compartilhamos alguma ironia dramática.
O ator não estava só; o elenco todo é fera ferina. Como não temer a pétrea Elizabeth, de Diane Fletcher? Considerando que a trupe quase toda tinha experiência shakespeariana nos palcos Reais, esperar o que mais? 

A imprescindível House of Cards inglesa pode ser vista no You Tube, com legendas em espanhol.

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