sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

PAPIRO VIRTUAL 88


Roberto Rillo Bíscaro

Mesmo depois da chatice de The Professor (resenha aqui), li o sucessor de Jane Eyre, Shirley. Charlote Brontë merece respeito por ter cunhado uma de minhas histórias mais caras no caso de amor entre Mr. Rochester e sua governanta, então conhecerei toda sua obra principal.
Publicado em 1849, Shirley evade-se dos problemas sociais da “Década da Fome”, que só na Irlanda ceifou 1 milhão de vidas devido à falência na produção de batatas no norte europeu. Bronte troca os chartistas, especialmente fortes no norte inglês – local de Shirley – pelos luditas. O capítulo 2 contextualiza brilhantemente a história que se passa no início do século XIX, época de guerras napoleônicas e Revolução Industrial. Bloqueada pela França, a Inglaterra sofria fome e acumulo de produção por ter mercados consumidores incessíveis pelo embargo. Com a crescente mecanização e excesso de bens produzidos, muita gente era demitida e muitos se dedicaram a quebrar máquinas, os luditas.
Por mais que alguns críticos modernos chamem de implicância a reclamação de seus colegas de outrora de que o romance carece de coesão, esses últimos têm razão. O narrador onisciente parece ter nistagmo, aquela oscilação rítmica, repetida e involuntária dos olhos, que acomete muitos de nós albinos e dificulta a focalização das imagens. Esse defeito na composição talvez se deva ao período extremamente doloroso enfrentado por Charlotte durante a escrita de Shirley, quando a autora perdeu 3 irmãos em um prazo de meses.
Difícil definir protagonismo, uma vez que a personagem-título aparece no final do primeiro terço do livro. Antes da entrada da jovem herdeira Shirley, a história centrava-se na loirinha Caroline Helstone, que amava o primo Robert Moore, dono dum moinho, que tratava mal seus empregados, que por sua vez se ressentiam do maquinário adquirido pelo patrão, que forçaria gente pra rua. Quando Shirley aparece, o ambicioso empresário cogita em tê-la como esposa a fim de assegurar sua situação econômica. Pode-se dizer que o romance é a educação sentimental desse trio, acrescido de brandas conclamações ao diálogo social, que nunca alcança o liberalismo utópica de Elizabeth Gaskell ou a indignação inflamada de Charles Dickens.
A personagem Shirley começa subversivamente interessante. À época, o nome era mais comum entre homens e a personagem é caracterizada com diversos traços masculinos. Seus pais a batizaram assim porque sempre quiseram um menino para cuidar dos negócios. Filha única e órfã, Shirley herdara a propriedade (herança era coisa pra varão, lembram de Razão e Sensibilidade?) e tinha até título de esquire, algo como escudeiro. A própria jovem se masculiniza usando o epíteto Capitão Keeldar e pronomes masculinos pra se referir a si mesma.
Então, durante parte da narrativa, temos em operação 2 conceitos de mulher: uma submissa e aderente aos costumes sociais (porque pobre) na figura de Caroline e outra cujo dinheiro concedia-lhe o luxo de ter opiniões e sair-se ilesa de pequenos desvios da norma. Nessa perspectiva a inglesa Shirley Keeldar é aparentada a Aurélia Camargo, que também usa sua independência pra se tornar dependente e de joelhos ao maridão. Mas, o romance de José de Alencar é superior ao da irmã de Emily e Anne Brontë.
Se por um lado, Shirley oferece a oportunidade de se perceber os limites da emancipação feminina possíveis no século XIX e algum comentário social sobre a época do ludismo, por outro se dilui em digressões de proselitismo religioso edulcorado e personagens sem função no mover da trama. 

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