quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

CONTANDO A VIDA 97

Você sabia que a divisão do dia em horas adequadas para dormir, descansar e trabalhar foi muito influenciada pela Revolução Industrial inglesa?
Essa e outras informações e ponderações na excelente crônica do Prof. Sebe, tratando sobre Cronos, nosso senhor Tempo. 

OS SEGREDOS DO TEMPO.


José Carlos Sebe Bom Meihy

Seguramente “tempo” é a matéria mais significativa do nosso viver moderno. E olha que não falo apenas do tempo de cada um, mas do tempo coletivo, aquele que regula e coordena as ações de todos no trabalho, na escola, na vida social enfim. É comum dizer e ouvir que “não temos mais tempo para nada”, e, desdobramento mecânico disto se repete que “vivemos correndo”. Olhando a história bíblica, aprendemos que tudo começou com a indicada expulsão do Paraíso, onde o Criador decretou, frente ao pecado da cobiça, que os seres humanos deveriam “ganhar o pão de cada dia com o suor do próprio rosto”. Estava dada a maldição redentora que nos faria cativos do trabalho. Como se sabe, trabalho e dinheiro são aliados, como mais tarde Calvino pontificaria na máxima Time is Money. Em termos práticos, foi a Revolução Industrial inglesa que definiu a divisão do tempo diário em três partes igualmente distribuídas: oito horas para o trabalho; oito para descanso/lazer e oito para dormir. Vale notar que para os índios e nativos de várias regiões menos afetadas pela industrialização, este fracionamento temporal não vigora. Entre tribos brasileiras por exemplo, é muito comum notar que se dorme duas horas, acorda-se e se parte para outras atividades como pesca e caça, fabrico de utensílios de barro, arte plumária ou mesmo ficar em conversa sem pretensão de utilidade. Com intervalos, volta-se a dormir e assim a vida se processa.
O filósofo judeu alemão Walter Benjamin em artigo conhecido como “O narrador” revela que nos tempos modernos, não temos mais tempo para longas narrativas e assim, em vez de contar histórias, no máximo desenvolvemos a leitura e mecanicamente mudamos o comportamento e as relações humanas. Sob esta ótica, a quebra nas soluções de relatos quer dizer muito em termos de tempo, pois perdemos a capacidade de aprender pela experiência do outro. Recentemente, nova neurose foi detectada com o nome de “hebefrenia”. Trata-se de uma manifestação na qual o indivíduo perde o poder de se ver como um todo e precisa do espelho (daí hebefrenia, termo derivado da deusa grega Hebe que precisava do espelho para se ver inteira). A visão parcelada das coisas e dos fatos é uma das dramáticas conseqüências do uso do tempo segundo as leis da produtividade.
Mauro Maldonato é o nome de um filósofo italiano que tem revolucionado o conceito de tempo na modernidade, mostrando que há reações à ditadura do relógio. Ao questionar valores que não mudaram com o comando do tempo cronológico, diz ele que há outros tempos de difícil mensuração como o “tempo do amor”, “tempo do ódio”, “tempo da saudade”. Diz também o criativo pensador que estes “tempos subjetivos” não se submetem à duração do relógio e são comandados pelos procedimentos da memória. Esta diferenciação acabou por provocar séria crise entre o tempo objetivo e o subjetivo. De toda forma, o que pesa mesmo no âmbito do capitalismo é o que rende dinheiro, lucro ou capital. Não se considera muito mais que não seja produtivo ou prático e nesta ordem, amar, ter raiva, sentir falta são valores menores e às vezes até tido como exceção ou doentios.
A contemplação dessas variantes em termos do tempo das festas de fim de ano torna-se emblemática dos dilemas da modernidade. Tomemos por exemplo o Natal. Em juízos éticos é um tempo de confraternização, de apelo solidário e de reparação dos desencontros da vida, mas, marcado no calendário comercial, as festas natalinas se aproveitam dos ciclos de renovação afetiva e tentam – sempre com sucesso – desvirtuar o que se tem de mais profundo na humanidade: o tempo da lógica moral da vida. O que se aprende com tudo isso é que não se deve deixar de lado as oportunidades que se nos afiguram agora. É preciso aprender que a existência nos dá oportunidade de, no final do ano, juntar o tempo cronológico com o tempo espiritual e assim viver se maiores contradições os dilemas de ser contemporâneo.

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