terça-feira, 13 de março de 2012

TELINHA QUENTE 37

Dose Dupla de Dickens

Roberto Rillo Bíscaro

Charles Dickens é uma instituição cultural britânica, mais famoso do que boa parte dos escritores contemporâneos. Isso é ruim porque significa diminuição de espaço pra novos talentos, mas também quer dizer que os textos do velho novelista ainda repercutem nos dias atuais. No ano do bicentenário de seu nascimento, sua obra segue despertando interesse e motivando adaptações pra cine, TV e teatro.    
Mais do que por qualquer outra razão, admiro-o por descrever o então mundo novo das ferrovias, transações bancárias e legais e industrialização. Acho perda de tempo criticá-lo pela planura de suas personagens, porque o quilate de sua obra está na linguagem, apropriadíssima pra retratar tipos e paisagens da fase capitalista na qual viveu. E ninguém fez isso melhor que o escriba profissional Dickens, preocupado com seus direitos autorais e consciente de que escrevia pra ganhar dinheiro e sustentar a família. Isso não significa que não estivesse atento às questões sociais, mas, a escrita dickensiana é aquela da nascente linha de produção. Escrever pra viver, sem mecenas financiador. Publique ou pereça. Bisavô de Janete Clair e mesmo da moderna Glória Perez, que, a despeito de clones e imigração tem o folhetim na medula, porque a estirpe dos Dickens sempre usou os assuntos mais contemporâneos pra enredar seus folhetins. Como esquecer a morte por combustão espontânea em Bleak House?
As comemorações cercando o autor de David Copperfield começaram no Natal, quando a BBC exibiu outra refilmagem de Great Expectations. Essa ainda não vi, mas o último mês teve Dickens em dose dupla em minha telinha.
The Mistery of Edwin Drood é um romance inacabado, que teve diversas adaptações pro teatro, com autores ou o público escolhendo um assassino pra sombria história gótica. Em janeiro, a BBC mostrou minissérie em 2 capítulos baseada na obra.
A atualidade de Dickens continua intacta; The Mistery... lida com narco-dependência e preconceito étnico, temas estampados diariamente em qualquer tablóide inglês. Sem contar os amores doentios, revelações bombásticas e até parricídio, pra compor a parte noveleira.
Certamente, é um Dickens bem distinto do jovem autor dos Pickwick Papers. A roteirista Gwyneth Hughes saiu-se bem na continuação da trama; o segundo episódio é todo criação dela. E é um capítulo bem mais eletrizante do que o primeiro, preparador pro clímax. Mas, quem roteirizou o primeiro foi Gwyneth também, e senti o mesmo problema de ritmo que por vezes assolou sua Five Days, minissérie que vi em janeiro, e que tem momentos monótonos. Por isso nem escrevi sobre ela no blog.
A cena final de Edwin Drood me deixou pensando: será que o velho Dickens colocaria uma união inter-racial como final feliz? Mas, logo parei de pensar e fui ver o último capítulo de outra mini, afinal, quem escreveu o roteiro pra adaptação televisiva foi uma mulher no século XXI. Mais perda de tempo pensar no que poderia ter sido.
O ultimo capítulo referido foi o da minissérie Dickens of London (1976), produção em 13 episódios da Yorkshire Televison, que supostamente narra a vida do escritor.
Cada capítulo começa com o escritor já maduro, durante viagem aos EUA, rememorando o passado. 3 atores interpretam o autor, com destaque para a grande atuação de Roy Dotrice, também vivendo John Dickens, o pai embrulhão.
Dadas as condições de produção da TV inglesa na época, a maior parte das cenas é em interiores. Além disso, a verborragia e extensão de muitas cenas podem afastar o telespectador de agora. Isso, porém, são dados técnicos e de época, os problemas realmente estão no roteiro e direção de atores.  
Dickens of London convenientemente “esquece” do caso que ele teve com a atriz Ellen Ternan e do divórcio de sua esposa Catherine (frívola, tola, chorona, insuportável na minissérie!). Ao invés, muito tempo é gasto no relacionamento de Dickens com o pai e as falcatruas deste último, que leva o relacionamento de adoração infantil transformar-se em frieza e afastamento no Dickens da maturidade.
Outro problema é que o roteiro faz supor que as criações dickensianas sejam cópias-carbono de gente que ele encontrou durante a vida. A inserção de trechos famosos de diálogos de seus romances e de maneirismos idioletais de suas personagens pode deleitar fãs, mas desqualifica o aspecto da criação literária. Mr. Micawber certamente foi baseado no pai do escritor, mas difícil imaginar que John Dickens, em seu leito de morte, tenha perguntado: “eu sou Micawber?”, pra morrer em seguida á afirmativa do filho!
No fim, todos acabam se tornando personagens de livros de Dickens, com maneirismos e repetições no discurso, o que repercute na interpretação do elenco, farsesca e exagerada. Enjoa.
Dickens of London acerta ao mostrar um artista que tem que se preocupar com o número de exemplares vendidos, direitos autorais e questões de mercado. Ele tem família pra comer e quer uma casa grande e vinho do bom. Artista não vive e produz num mundo descolado das questões políticas.
Dickens of London serviu pra que eu me lembrasse de que poucas coisas podem ser tão ficcionais quanto uma biografia. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário