terça-feira, 27 de março de 2012

TELINHA QUENTE 39

Roberto Rillo Bíscaro

Quando comentei sobre a segunda temporada de Forbrydelsen, meio que me desculpei por iniciar texto sobre a Dinamarca aludindo ao chavão sobre a podridão no reino nórdico. Desta vez, não preciso, porque Riget foi traduzido como O Reino, onde algo definitivamente está podre e bizarro.
Vi as 2 temporadas da obra televisiva do importante cineasta Lars von Trier, produzidas em 1994 e 97. O impacto de Twin Peaks, de David Lynch, é grande e a tendência conservadora do determinismo cínico do dinamarquês adequa-se perfeitamente ao gênero terror, ao qual a série se filia.
O Reino é o maior hospital dinamarquês, construído sobre pântanos imemoriais. Microcosmo da península jutlândica, o hospital entra em caos porque seus médicos – seres patéticos – esqueceram o lado espiritual, inebriados pela ciência e tecnologia. Tal desleixo, abre os portais do inferno e uma avalanche de bizarrices é oferecida, num clima cada vez mais aloprado e sem conclusão, como na série do diretor norte-americano.
Von Trier lança mão de um amontoado de lugares-comuns das narrativas de horror pra criar uma obra inegavelmente imaginativa. Gestações demoníacas, fantasma de garota afogada em busca de reparação, idosa que mantém contato com espíritos, zumbis criados por poção haitiana...
À parte o horror, Riget é puro melodramalhão com fartas doses de humor “negro” (detesto essa expressão racista, mas ainda não aprendi outra). A estudante de medicina que vê filmes gore pra tentar vencer o pânico por autópsias, o médico sueco que odeia a Dinamarca e olha a posição das fezes no vaso sanitário pra verificar seu estado de saúde, uma confraria de médicos mais obscurantista do que as superstições que finge combater. Gente estranha, muita esquisitice, que certamente gera a idéia de “moderno” em observadores de superfície.
Até o coro das tragédias gregas está representado em O Reino (há tempos, vi sua versão de Medeia, produzida pra TV dinamarquesa, em 87). Um casal de lavadores de pratos - aparentemente com Síndrome de Down – comenta, critica e prediz as (situ)ações. Em Twin Peaks não havia um anão que falava de trás pra frente? Essa noção da pessoa com deficiência inscrita em bizarrice travestida de rousseaunismo bonselvagista “especial” é de uma caretice atroz!
Filmado em tons sépia, closes microscópicos e câmera balançante, Riget é boa diversão, especialmente se entendermos que Von Trier é o resultado potencialmente perigoso de tempos que não crêem em mudanças além do cosmético e decretaram o fim da História.   

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