terça-feira, 18 de março de 2014

TELINHA QUENTE 112



Francis, Bicha (Enrustida) Perversa!

Elogiei a temporada primeira de House of Cards, mas a relação foi mais cerebral do que visceral. Respeito suas aspirações shakespearianas, mas faltava me agarrar pelo estômago. Por isso, curtia mais a tabloidice de Scandal. House of Cards queria muito ser seção política de jornal “sério”.
Dia 14 de fevereiro, a Netflix disponibilizou a segunda temporada e a adição de Robin Wright na foto de divulgação chamou atenção. Esposa do político facínora Frank Underwood, pra perversamente etérea Claire ter mais destaque, seria preciso folhetinizar (trazer o individual mais à frente, fato escamoteado com sucesso na primeira temporada) um tiquinho. O vice-presidente é o maridão; ele ficaria mais com questões de jornal “sério”. Confiava que meu quinhão tabloide viria com Claire. Não deu outra e amei a maior parte da segunda vinda de House of Cards. Em termos de conflito, esses 13 episódios são muito mais grudentos.
A parte política envolve tensões com a China, corrupção com doações de campanha, cassinos em terras indígenas e votação de pacotes de reformas na previdência. Mas a parte pessoal vem com tudo: revelações de estupro e aborto em rede nacional, falsas relações amistosas entre o casal vice-presidencial e o “casal mais poderoso do mundo livre” e outras querelas interpessoais, que no fim da temporada somam elementos à questão politica. Afinal, essa é feita por indivíduos.
Nem todos os capítulos são eletrizantes, mas quando a guerra entre o bilionário Raymond Tusk e Frank Underwood incandesce, queremos ver logo o que vem. Ótimo a Netflix lançar tudo duma vez. Desde o surgimento das caixas de DVDs com temporadas completas, tem sido tendência vê-las numa enfiada. Bom também porque dá a sensação tão estimada de “controle”.
Frank Underwood (Kevin Spacey dá até umas canastreadas noveleiras de vez em quando) não mudou: obstinadamente segue sua subida da escada social, confidenciando com o público através dos apartes, cujas funções variam desde explicar até tentar seduzir. Se Félix de Amor à Vida ganhou no Facebook a comunidade Félix, Bicha Má, Francis deveria ter a Francis, Bicha (Enrustida) Perversa.
Claire desabrochou. Um dos truques das soaps é deixar o passado das personagens desconhecido e aberto. Isso dá liberdade pra tirar n coelhos da cartola e turbinar a trama. Claire precisa se destacar? OK, Inventemos que um colega da faculdade a estuprou e agora é um general condecorado pelo vice-presidente em pessoa etc etc etc. E a diversão começa (ou não)!
Robin Wright merecia uma Claire mais atuante, que deixasse de ser apenas o busto num museu, ausente de emoções, como o criador de House of Cards explicou à atriz, durante a apresentação das personagens ao elenco. A esposa do vice-presidente ainda é pétrea: seu desejo por poder e de estar ao lado dum macho (SQN) poderoso é inquebrantável. Porém, é capaz de chorar por alguém destruído. Se isso não oferece nenhuma redenção à personagem, é prato cheio pra atriz.
House of Cards aproxima-se, assim, da velha DALLAS e seu antológico JR Ewing. O caminho pro poder está cheio de inevitáveis cadáveres, literais ou figurados. O que importa é jamais ser um deles e não perdoar ninguém; usar quem surgir e descartar. E seguir em frente. E dar murro na mesa pra assustar o espectador.
A série ficou mais folhetinesca, mas não suponha queda na qualidade. Foi estratagema pra diversificar a ação. Além disso, House of Cards voltou mais sombria e distópica.

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