quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

CONTANDO A VIDA 67

Na crônica de hoje, o Professor Sebe espanta-se com os tempos modernos, em que a privacidade é artigo raro e onde vivemos em comunidade virtual, mas isolados em nossos casulos. 

A NOVA PRIVACIDADE...

José Carlos Sebe Bom Meihy
Antes, num passado que nem é tão distante, era possível falar sobre solidão, intimidade, vida privada, com características diversas de hoje.  Tudo mudou muito. Rapidamente. Demais. Confesso que sempre tive dificuldade em achar a vida monótona, tediosa. Jamais. Até costumo brincar com amigos que vejo virtudes no fato de se acreditar na reencarnação, pois uma vida só não basta para a realização de tantos projetos que acumulo ao longo de tempos. Devo reconhecer que até alguns anos era possível uma reclusão mais fácil e eficiente. Se alguém quisesse se isolar do mundo, estabelecer alguma disjunção da sociedade, bastava ir para algum lugar e se sentir uma ilha. Não que atualmente não se possa, mas sempre podemos ser alcançados. Claro que dá para assumir atos de misantropia, mas o que impressiona é que podemos ser achados, flagrados, descobertos, denunciados.
Li, dia desses que nos Estados Unidos suspeitaram de vínculos de um bandido com importante bando de traficantes de cocaína para o México. A fim de localizar os quadrilheiros, deram uma quantidade de dinheiro com um chip ao prisioneiro, o que possibilitou o rastreamento dos passos do faltoso. Logicamente, a “inteligência” diretora desse plano merece aplauso, mas o outro lado da questão é o preço pela “eterna vigilância” e da eficiência do sistema.
A primeira vez que li o fabuloso livro “1984” de George Orwell fiquei chocado, achando que aquilo era ficção e que jamais teríamos o Big Brother nos vigiando com aquele olho terrível. Devo registrar que desde menino muito me impressionava a definição de Deus – onipresente, onisciente, onipotente. Sim, era realmente um ser superior, poderosíssimo e capaz de ver tudo, até debaixo das cobertas, em salas trancadas, no escurinho do cinema... Cresci e vejo a progressiva transferência da divindade para órgãos policialescos, para grupos de detetives e mesmo para pais que se vêem na obrigação do zelo no acompanhamento educacional dos filhos. E não é curioso que aprendemos a olhar placas que dizem quase carinhosamente “sorria, você está sendo filmado”. Nem do gerundismo reclamamos. Talvez eu seja mesmo meio antigo, mas não gosto de me sentir controlado. A bem da verdade, me incomoda enormemente suspeitar que alguém me vigia.
Falava dessas coisas, dia desses, com um amigo, pai de jovens nos quase vinte anos e ele me revelava os segredos do controle: GPS no carro do filho, monitoramento da internet, participação em rede, blog com pais dos amigos... Fiquei pasmo, pois tudo era dito em nome da segurança. Eu mais ouvi do que falei e justifico minha perplexidade, posto que não me imagino sem confiar nos outros. O que até pouco tempo achava que era virtude - minha crença desmedida no semelhante - agora noto que acreditar acaba por se converter em defeito. Estou ameaçado de ser chamado de bobo ou mesmo de cretino por crer que até “prova em contrário, todos são inocentes”.
Quantos me conhecem sabem que não me poderia faltar um fundamento filosófico para filtrar os desmandos do mundo moderno. Remeto-me então aos iluministas e qual um Rousseau bêbado retomo o debate sobre a “bondade natural dos seres humanos”. Será que não posso mais repetir que “o homem é bom, a sociedade que o perverte”? Atualizando a questão, devo perscrutar se a maldade do homem é tamanha que ele naturalmente tenha subvertido a bondade natural e já nascesse ruim.
Resolvi fazer uma investigação sobre mim mesmo e fui até o Google. Sabe que fiquei surpreso! Imaginem que no “Google imagens” havia fotos minhas que jamais suspeitei. E o que dizer de tudo que se falou sobre minha atividade acadêmica? Está quase tudo lá. Coisas que disseram a favor ou contra, comentários gerais, tudo está ao alcance de todos. Mas, preside algo de realmente terrível nesse contexto todo, pois sequer alguém pode mais se sentir solitário. A grande contradição disso tudo é que ao se trancar em casa, nos quartos, escritórios, as pessoas ficam fisicamente sozinhas, mas ao se conectarem com o mundo via máquina recobram um potencial de intimidade dramática onde o que se expõe não é o que se mostraria na vida à moda antiga. Não sei o que vai resultar dos contatos humanos no futuro, mas por agora garanto, não vou abdicar do direito de pensar nas velhas formas de privacidade... não vou mesmo.   

Um comentário:

  1. na porta de minha casa coloquei uma placa :sorria você está sendo filmado . nunca mais ouvi barulho na madrugada , a rua e meia escura então ja viu né ... paravam la e ficavam namorando ..ho ho ho ..

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