segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

COM QUE ROUPA EU VOU?

A escassez de roupas adaptadas para pessoas com deficiência

Adriana Lage
Li um artigo que comentava sobre a dificuldade em se encontrar trajes para noivos cadeirantes. Realmente, não é de hoje, que comento sobre essa carência no mercado da moda. Existem poucos projetos voltados para moda inclusiva. Aqui em BH, desconheço casos. Estava conversando com minha prima, que deu aula em faculdades de moda e hoje trabalha em uma grande grife, sobre esse assunto. Ela me disse que, vez ou outra, algum estilista trabalha com isso. Ela citou, por exemplo, um desfile promovido pelo Ronaldo Fraga, há tempos atrás, apenas com minorias excluídas da sociedade. Nesse desfile, os modelos eram crianças, doidos, mendigos, pessoas com deficiência. Já participei de alguns projetos voltados para a moda inclusiva, mas, verdade seja dita, parece que as monografias não saíram do papel... Graças a pessoas como a Kica de Castro, modelos com deficiência já não são raridade. Mas roupas que aliem praticidade e beleza para pessoas com deficiência ainda estão longe de ser maioria no mercado da moda. 

Minha irmã me chamou para ser madrinha no seu casamento. Com isso, comecei a procurar meu modelito, ainda mais que em janeiro sempre temos liquidações. É impressionante como a maioria das lojas não está preparada para receber um cadeirante. Para quem fica o tempo todo sentada, todo cuidado é pouco na hora de escolher uma roupa. É preciso verificar alguns detalhes como o tipo de tecido e a praticidade. Tem roupas que são maravilhosas para quem anda, mas que perdem todo o style quando se está sentada. Como num casamento, a noiva é a estrela, resolvi variar e sair do meu estilo. Nada de brilho excessivo, estampas de onça, vermelho ou roupas a La Paula Fernandes. Consegui encontrar um vestido longo, com um tecido lindo e ao mesmo tempo confortável para quem ficará sentada. Adoro vestidos, mas sempre me complico quando são muito justos ou bem curtos. Na hora de experimentar o modelito escolhido, foi aquele caos. A cadeira de rodas era grande demais para o provador. A vendedora fez uma parede humana e troquei de roupa ali mesmo. Algumas clientes ficaram olhando, parecendo que nunca viram uma cadeirante com roupa de festa. O mais difícil foi ajustar o cumprimento do vestido. Para conseguir fazer isso, a gerente da loja ficou sentada no chão marcando o tecido. Ela me deu uma idéia legal. Deixei meu vestido um pouco mais curto na frente, de forma a exibir meus pés e um sapatoexageradamente lindo; também para não correr o risco de me enrolar no pano quando fossem me carregar. Esse foi customizado para uma cadeirante! Minha irmã experimentou o vestido e ficou estranho para quem anda. Achei muito legal o atendimento que recebi. A gerente me ajudou em tudo, inclusive na hora de tirar o longo cheio de alfinetes. Dias depois, voltei à loja para ajustar o vestido da minha vó. Achei engraçada a reação das funcionárias: enquanto esperava minha vó, ficamos tricotando e acabei contando sobre minha história. As mulheres ficaram encantadas e a gerente quase me fez chorar com tantos elogios. Elas acharam o máximo eu trabalhar, escrever artigos, passear, namorar, viajar... Ganhei muitos conselhos sentimentais que fizeram minha irmã quase chorar de tanto rir. Mas faz todo sentido o que elas me disseram. A loja tem cada coisa maravilhosa que foi impossível sair de lá sem um sobretudo para passear na Oscar Freire em breve... 

Quando se busca uma roupa mais acessível, muitas pessoas recomendam que se procure uma costureira. Assim, podemos fazer a roupa de acordo com nossas medidas. Só que o preço nem sempre é acessível. Minha mãe sempre me salva nesse ponto. Como meu tronco é um pouquinho torto, algumas roupas precisam ser mais justas no lado esquerdo do corpo. Ela customiza tudo. Sempre brinco dizendo que ela parece mãe de miss: sempre borda minhas roupas, faz aplicações, ajustes, coloca bojo em maiôs ou roupas que não ficam legais ao serem utilizadas com sutiã, etc. 

Na maioria das lojas, sempre me deparo com os seguintes problemas: 

- Pouco espaço. Em muitos casos, ao virar a cadeira de rodas, saio levando meia loja agarrada na cadeira de rodas. 
- Falta de produtos acessíveis e preparo de vendedores. Já me cansei de entrar em lojas e a funcionária pensar que estava perdendo tempo, pois não acreditava que uma cadeirante teria dinheiro para pagar pelos produtos. Certa vez, uma vendedora de sapatos me disse a seguinte pérola: “pra que você vai levar dois pares se não anda?”. Acho que as coisas não funcionam assim... 
- Falta de provadores acessíveis. Um dia desses, tentei experimentar um vestido de uma grife de malhas famosa. O vendedor me levou ao provador todo feliz. Assim que chegamos, ele não sabia onde enfiar a cara de vergonha! A cadeira de rodas não entrou nem na metade do lugar. Por outro lado, fiquei encantada com o provador da Renner em um shopping de BH. O espaço é bem amplo, com barras, espelho, banquinho para quem precisar se sentar e um botão de emergência caso precise de ajuda. Bem legal a iniciativa! Algumas lojas de BH já estão com provadores acessíveis. O número ainda é reduzido, mas as coisas vão caminhando... 

Voltando ao casamento, tenho notado a falta de salões de festa adaptados em Belo Horizonte e a falta de acessibilidade em muitas igrejas. Em breve, pretendo escrever sobre as igrejas católicas de BH. Já comecei uma pesquisa e são poucas as que possibilitam que uma noiva cadeirante entre pela porta da frente com tudo o que tem direito. Mas isso é assunto para o futuro... Alguns amigos ficaram em polvorosa pensando que eu iria me casar. Mas não será dessa vez. Se algum moreno forte se candidatar, é só falar... rsrsrs. 

Sapatos também costumam ser problemáticos para pessoas com deficiência. Atualmente, várias linhas ortopédicas já apresentam modelos bem fashions. Só que o custo é bem alto se comparado a outros tipos de sapato. Sempre tive pés pequenos. Calço 34 e, às vezes, encontro sapatos na parte infantil. Os vendedores sempre morrem de rir e brincam que isso é pé de princesa. Felizmente, nos últimos anos, parece que as crianças andam tomando fermento e possuem pés bem maiores. Com isso, a variedade de sapatos pequenos também aumentou. Ufa! Já pensaram que lindeza uma mulher de 34 anos, coordenando uma reunião de trabalho e ostentando, nos pés, um sapatinho cor de rosa da Barbie? 

Enfim, as pessoas com deficiência representam um nicho do mercado ainda pouco explorado.  Somos um número expressivo e bem lucrativo. Até quando seremos invisíveis?

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