domingo, 16 de agosto de 2009

HORROR NO BURUNDI

O ‘Genocídio’ de Albinos no Burundi
Yvonne Ndege, correspondente do Al Jazeera

Em uma pequena cidade no Burundi, pequena nação no leste da África, um grupo de pessoas vive com medo de ser brutalmente assassinada a qualquer momento. Estão sempre de guarda, noite e dia, revezando-se em turnos para vigiar.
Essas pessoas não são criminosos fugitivos, mas vítimas da mãe-natureza.
Elas estão em um grupo decrescente de albinos, que tem estado Escondido dede o início de 2009, quando mais de uma dúzia foi morta porque partes de seus corpos são vendidas a curandeiros que as usam em poções.
As partes mais valiosas são braços, pernas e genitais, que podem valer muito dinheiro.
Os fregueses em potencial dos curandeiros acreditam piamente que poções feitas de partes do corpo de albinos trarão a eles sorte na vida, no amor e nos negócios.
Publiquei essa história pela primeira vez em junho de 2008, quando esse horrendo comércio foi levado à conhecimento público, após a morte de mais de 50 albinos, na vizinha Tanzânia.
O Al Jazeera noticiou na época, como pescadores, comerciantes e membros da comunidade empresarial, atuando na região de Mwanza – norte da Tanzânia – confessaram ter comprado poções preparadas com partes de corpos humanos e obtido grande sucesso após o uso.
Agora, o comércio de partes de corpos de albinos – que tem levado aos mais profundos e sádicos atos de violência – difundiu-se para o vizinho Burundi.


Comércio entre-fronteiras
Viajei a Ruyigi, no Burundi, situada a 200kms da capital Bujumbura, depois que albinos da Tanzânia me contataram para contar que tinham ouvido dizer a respeito de partes de corpos chegando à área.
Assim que um colaborador local e eu chegamos, descobrimos que um julgamento contra 11 pessoas acusadas de tomarem parte na morte e comércio de partes de corpos de albinos havia começado.
Autoridades do Burundi me explicaram que estavam investigando os 11 suspeitos, uma vez que eles supostamente tencionavam enviar as partes dos corpos para a Tanzânia, onde são muito procuradas.
Fiquei imaginando o que poderia estar incentivando o comércio entre fronteiras. Poderia ser porque tantos albinos tanzanianos haviam sido caçados que agora se encontravam em extinção? Ou seria a crise econômica global aumentando a demanda entre os pobres, desesperados e necessitados?
Pode ser qualquer uma das duas alternativas. Enquanto viajava pelos confins de Ruyigi, encontrei-me com nativos que falavam de desespero e pobreza – a média anual de salários nessa parte do Burundi pode ser tão baixa 10 dólares por ano.
Eles relataram como os albinos viviam em casas seguras.


Santuário
Encontramos um desses refúgios e fomos recebidos por um homem alto de pele rosácea e áspera, que dava a impressão de ter sido queimada gravemente; havia minúscula sardas marrons por todo o seu rosto.
Seu nome é Jeremiah Ndayiragije. Ele era um dos diversos albinos amontoados nesse esconderijo sujo e decrépito, escondido nas colinas de Ruyigi.
Outro era um homem de 53 anos, obrigado a abandonar sua família para procurar refúgio ali.
Também encontramos dois irmãos – um garoto de 17 e uma menina de 8 – que estavam se protegendo na casa segura, protegidos pela avó.
Explicamos que éramos jornalistas do Al Jazeera em inglês e queríamos ouvir suas histórias. Nada poderia nos haver preparado para as histórias que estávamos prestes a ouvir.


Horrores humanos
Jeremiah começou por nos contar sobre a noite que seu outro irmão albino, Daniel, foi visitado por seu irmão mais velho – não-albino, acompanhado por um grupo de homens desconhecidos.
Naquela noite, Daniel foi assassinado pelo irmão mais velho, que vendeu as partes de seu corpo por 240 dólares, conforme Jeremiah descobriu mais tarde.
“Eu vi o corpo de meu irmão. Todos os seus membros, braços e pernas, tinham sido decepados. Mais tarde, meu irmão e minha cunhada foram ouvidos brigando pelo dinheiro recebido pelas partes do corpo.”
“Além disso, há evidências de que os assassinos foram à residência de meu irmão e passaram algum tempo em sua casa discutindo como matariam. Tive sorte de não estar em casa na hora”, disse Jeremiah.
O irmão mais velho de Jeremiah não foi mais visto desde então. A polícia suspeita que ele tenha fugido para a vizinha Tanzânia com as partes do corpo.
A cunhada de Jeremiah, Victoria Nkuizikiye, foi caputrada e está na cadeia sob acusação de assassinato, a qual ela nega.
O Al Jazeera obtve permissão especial para entrevistá-la na prisão.
“Não, eu juro… não estou envolvida na morte de meu cunhado albino. Estou pronta para ser fuzilada em frente a meus filhos como prova.”, afirmou.
Entretanto, o fato de Victoria não ter notícia de seu marido desde fevereiro significa que ela provavelmente seja julgada culpada por cumplicidade no assassinato quando o caso for a julgamento.


Condição imposta por Deus’
Jeremiah e os demais albinos que vivem no esconderijo contaram que viviam em relativa paz e estabilidade antes que o comércio de partes de corpos de albinos começasse na Tanzânia.
Eles dizem que não haviam enfrentado estigma, muito menos ameaças de ataque, devido ao que chamam de “condição cutânea imposta por Deus”, até que o horrendo comércio chegasse ao Burundi.
As nações do leste africano mais duramente afetadas pela violência contra os albinos – Tanzânia, Burundi e Quênia – estão elaborando um conjunto de medidas de proteção às vítimas em potencial. .
Autoridades tanzanianas recentemente apelaram à população para que denunciassem supostos curandeiros e seus clientes, mas tal medida não conteve os assassinatos.
A impressão que se tem é a de que as autoridades não dispõem de um plano para acabar com as mortes.
Enquanto isso, associações de albinos pressionam os governos da África oriental para acelerarem os julgamentos dos suspeitos por assassinato e comércio de partes do corpo, a fim de educar a população de que tais atos são passíveis de punição por lei.
Membros da comunidade albina também estão visitando associações de curandeiros para deter a prática, através de ações que visam educar os associados a respeito do mal que o comércio de partes do corpo representa.
O sentimento dos albinos ameaçados é que as autoridades deveriam focar seus esforços em erradicar os mitos sobre o valor das partes de corpos de albinos em bruxaria, entre os habitantes da África oriental – ao invés de investir em medidas vistas como medidas de proteção a curto-prazo.
Mas, enquanto as autoridades hesitam a respeito do que fazer, cada dia é ainda uma luta envolta em medo para centenas de albinos no Burundi.
Jeremiah diz que a matança de albinos é um genocídio que precisa ser detido, antes que sejam varridos da África Oriental.
“Não posso me arriscar a voltar para casa. Não deixarei este lugar”, disse a respeito da casa segura.
“Prefiro morrer de fome aqui a ser feito em pedacinhos.”


(O original em inglês encontra-se em http://english.aljazeera.net/focus/2009/07/2009723740694359.html?FORM=ZZNR3)

Um comentário:

  1. Vi sua entrevista no Jô
    Obrigada por existir...
    É desse tipo de ser humano que o Planeta precisa.
    Abs.
    Eloá

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