quinta-feira, 20 de junho de 2019

TELONA QUENTE 293

Roberto Rillo Bíscaro

A Garota (ou Mulher, conforme a fonte consultada) Diabólica de Marte é curioso. Produção independente na empobrecida Grã-Bretanha de 1954, devia ser pobre até se comparada a congêneres ianques. The Devil Girl From Mars (TDGFM) realmente o é: o robô é lento e desengonçado, parece uma geladeira com braços e pernas. Daria pra escapar de seus raios desintegrantes muito facilmente, mas as personagens preferem se encolher de medo e morrer.
Além disso, as atuações são atrozes, os diálogos forçados, enfim, uma coleção de pontos negativos nessa história de espaçonave marciana tripulada por fêmea fatal gélida vestida de proto-dominatrix, que veio à Terra catar machos pra repovoar seu agonizante planeta. Erro de cálculo faz com que tenha que aterrissar nos confins das terras altas escocesas, justo ao lado duma hospedaria, que reúne personagens tão críveis quanto uma modelo londrina, um cientista, um fugitivo da cadeia, que se expressam melodramaticamente. Tem até menininho que fala “gee”, como o pivete de Invasores de Marte.
E não é que por causa dessa precariedade toda, TDGFM é muito legal de assistir? Virou cult, mas não naquele estilo de roteiro sem sentido ou continuidade, à Robot Monster ou Mesa Of Lost Women. TDGFM tem trama com começo, meio e fim, só é camp e amador pra burro.
Isso não significa que devamos vê-lo com superior olhar paternalista, porque há um par de boas ideias nele. A nave é feita de metal orgânico, portanto, dotado da capacidade de regeneração. A falta de dinheiro e a teatralidade (literalmente, porque o roteiro é adaptado duma peça) do roteiro impedem que seja mostrado, mas esse conceito só reapareceria no imaginário sci fi de cultura de massa décadas depois.
Outra coisa bem destacável é o protagonismo feminino, raridade nos anos doirados. Não poucas narrativas após TDGFM abordam a vinda de marcianos buscando terráqueas. O bordão “Mars needs women” figurou até em canções de metal e acid house. Esse temporão exemplo inglês já subverte o lugar-comum, colocando a fêmea como predadora; buscando sexo reprodutor na cara dura, nada de amor. É óbvio que a marciana Nyah será vilã e derrotada, mas isso não necessariamente precisa ser lido como punição pelo protagonismo feminino, porque qualquer invasor alienígena é vencido.
Falando nisso, qual personagem você acha que dará a vida pra salvar a espécie humana da dominação? Basta verificar a “ocupação” de cada um; qual o/a prescindível? Veja legendado e tente descobrir. Escolados em convenções fílmicas sheherazádicas disfarçadas, acertarão.

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