segunda-feira, 24 de junho de 2019

CAIXA DE MÚSICA 370



Roberto Rillo Bíscaro

Alguns grandes álbuns ficam para trás em qualquer discografia, seja lá sobre onde falamos. Por motivos que não cabem especular aqui, um cânone é estabelecido e repetido a ponto de dar a ideia de que em tal período só se produziu X, Y e Z de “bom”, o resto não conta, e ainda fica coisa que sequer é captada pelos radares.

No Brasil dos anos 1970, há artistas e álbuns que merecidamente constarão em qualquer lista de melhores da década. Como negar a importância de Clube da Esquina, Refazenda, Acabou Chorare ou Transa? Há diversos trabalhos, porém, ainda nem tão difundidos quanto mereceriam.  Um dos exemplos é o álbum homônimo do “imorrível” Di Melo, lançado em 1975.

Roberto de Melo Santos, recifense migrado para São Paulo, cantava na noite paulistana, quando Alaíde Costa apresentou-o a um executivo da EMI-Odeon. Di Melo, o álbum, não deve ter tido suficiente divulgação e Di Melo, o compositor/cantor, levou calote nos direitos autorais. Desgostoso, o soulman ficou décadas sem gravar. Nos anos 90, DJs britânicos descobriram seu trabalho e, por consequência, alguns brasileiros. Desde então, seu estatuto de compositor de um dos grandes álbuns dos 70’s vem crescendo e Di Melo até voltou a gravar.

O álbum homônimo de 1975 é pérola de doze faixas sem deslize, do qual participaram nomes do porte de Hermeto Paschoal e Heraldo do Monte. A parte medalhões como Tim Maia e Jorge Benjor (que então era simplesmente Ben), não muitos outros influenciados pela black music constam do panteão da MPB. Di Melo prioritariamente navegou nessas águas negras, mas seu álbum de estreia também singrou outros mares.

Da dozena de faixas, metade é de extração soul, extremamente bem tocadas e às vezes, com benvindas intromissões de elementos de samba e até certa percussão makossa, em A vida Em Seus Métodos Diz Calma, um dos deleites do álbum. É dessa parte que saem clássicos irrefutáveis, como a estupendamente viciante Se O Mundo Acabasse em Mel e balanços impecáveis como Kilário.

As denúncias sociais e letras sobre a desumanização provocada pela metrópole estão acompanhadas por bandoneón tangueiro em Conformópolis e em Sementes o ritmo argentino assume primazia. Joao é samba-canção e Indecisão é espécie de moda violeira, com coro feminino fazendo láiáláiá, bem ao modo dos anos 60 e 70. Alma Gêmea é balada meio folk, linda.

Sofisticado e divertido, Di Melo, o álbum, não deve nada a seus contemporâneos sempre mais badalados e reconhecidos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário