segunda-feira, 22 de abril de 2019

CAIXA DE MÚSICA 362



Roberto Rillo Bíscaro

Uma das funções do underground é fornecer tendências e estilos, que se tornarão modinha mainstream ou padrões hegemônicos duma época. Geralmente liquefeito e acessibilizado pra se parecer um pouco com o já conhecido, apenas com toques de “revolução”, a nova convenção de gueto é percebida por capitães da indústria cultural ou olheiros como Bowie, Madonna ou Gaga e ressignificada pra consumo maciço.
Grosso modo, as paradas de sucesso britânicas depois de Pump Up The Volume eram um planeta bem diferenciado daquele da primeira metade oitentista. Duran Duran, Ultravox e Culture Club já eram som de irmão mais velho. Moçadinha teen queria diferença, e o fervilhante cenário acid house forneceu elementos pra que o som predominante mudasse, mas não tanto.
No fim do decênio, S’Express, Coldcut e Bomb The Bass tiveram seus 15 minutos de holofote forte, todos oriundos da cena da dance ácida do Reino Unido. Claro que o Top Ten era dominado pelo pop bem mais fácil de Stock, Aitkens e Waterman e que tio Phil Collins e mano mais velho Morrissey ainda davam as caras nas 10 Mais, mas a novidade cultural da garotada era a acid house e ela rendeu bastante grana. Não à toa, o álbum de 1989 da New Order tinha influências de acid house, ou seja, o quarteto de Manchester (Madchester, como apelidada então) agora se adaptava a tendência ao invés de ditá-las.   
Para galgar o Top Tem, via de regra era necessário adaptar-se ao padrão mais “ordeiro”, mesmo que a aparência não fosse esta, aliás, seria melhor que não fosse; rebeldia de butique sempre rendeu dividendos. Sons mais inovadores, com sonoridades “estranhas” permaneciam na parada independente, como o Colourbox. Isso não desmerece o sucesso comercial e o afirmado não se pretende regra pétrea. Muita coisa ótima chegou às paradas. Pra ter boa qualidade não precisa ser inovador ou inacessível.
Em 1988, um álbum-cometa flamejou no firmamento pop britânico e a artista voltou pro espaço sideral sem deixar rastros. Convém mirar nosso telescópio pra Yazz, que soava nova em relação ao Eurythmics, mas visualmente evocava Annie Lennox. Esse revival obviamente passa pelo fato deste blogueiro ter tido o vinil e tentado aderir à sonoridade acid no par de anos finais dos 80’s, mas também, porque a acid house voltou forte, em 2018. Não precisa ir muito mais longe do que a faixa de abertura de Mutant City Acid, do Posthuman pra perceber o teclado “enrolado” da Roland e as linhas de baixo sintetizadas. 


Filha dum jamaicano e duma inglesa, Yazz badalava na cena musical clubber e de moda, desde a primeira metade dos 80’s. Como a acid house se deu melhor nos singles do que nos álbuns, Yazz arrasou com quatro compactos entre 88 e 89. Wanted - álbum lançado em novembro de 1988 – de modo algum se saiu mal nas paradas, atingindo o terceiro lugar, mas não há como negar que o pouco de lembrança que a londrina deixou virá do single The Only Way Is Up.
A novena de faixas em Wanted é prova cabal da antropofagia pop, que destrincha elementos do underground, recombinando-os e familiarizando-os pra gerar algo que soa novo, mas é essencialmente o mesmo de sempre. Como não perceber que a percussão de bongôs psicodelizados de Where Has All The Love Gone, além do teclado “retorcido” tão característico da acid house, são novidade em comparação à sintetização robótica extrema da geração pop anterior? Perceba, entretanto, as cordas tão disco music, que recheiam a canção.
Wanted é cheio dessa hibridização. Got To Share tem metais jazz em um mundo afro. Something Special é totalmente acid jazz popificado: tem contrabaixo obeso, pianinho jazzy, quase que Yazz faz scat singing. Na verdade, há arremedo de um, no final. Fine Time é midtempo dub, atinente com a influência do reggae na Grã-Bretanha do punk adiante. Wanted On The Floor é funkão setentista, mas acidificado com scratches e samples de “hey DJ, turn it up”!,  além do Roland psicodelilzado.
E pra confirmar que Wanted era pra brincadeira dançante metida a hipster, basta (re)ouvir os single-locomotivas The Only Way Is Up e Stand Up For Your Love Rights. São pura disco music “enlouquecidas” com barulhinhos acid. Stand Up.... tem até sirene de polícia, como as que tinham nos discos da Hippopotamu’s, no finalzinho dos 70’s. Que isso não deponha contra; são infecciosamente dançáveis e deliciosas. Soavam enrugadas meses após o lançamento, mas em nosso mundo pós trocentos revivals disco e acid house, dá pra se jogar com vontade
Os “frios” sintetizadores do Human League & Cia preparavam-se pra virar peça de museu. O “consolo” é que Yazz virou uma ainda em 1989. Os ravers raiz de então, devem ter achado Wanted apropriação cultural do underground pelo establishment. Que seja, mas o álbum merecia ser resgatado do limbo; é pop bem gostoso.
Só não recomendo a exagerada reedição tripla da Cherry Red, de 2016. Quem precisa de 2 CDs só de remixes de 4 canções?

Nenhum comentário:

Postar um comentário