terça-feira, 5 de junho de 2018

TELINHA QUENTE 312

Roberto Rillo Bíscaro

Olha só os ingredientes prum desastre anunciado, mas divertido de doer: nos anos 60, durante a administração do superestimado John Kennedy, os EUA tiveram a brilhante ideia de criar nave gigantesca que levantasse voo mediante explosão de diversas bombas nucleares. Era o Projeto Orion, que tencionava enviar – em sua versão mais ambiciosa – uma espécie de arca interestelar pra salvar a espécie humana em caso de holocausto nuclear, que ela mesmo ajudaria a criar sendo propelida por maciças explosões atômicas!
Com computadores menos potentes que smartphones, os caras sonharam com espaçonave gigantesca e autossustentável, que vagaria por gerações até encontrar planeta habitável. Em 1963, Kennedy botou fim a essa loucura e foi fazer coisa mais sana, como intensificar as agressões contra o Vietnã.
Agora, imagine uma emissora de ficção-científica como o SyFy Channel – aquela dos Sharknados; sacou quanta credibilidade científica? – exibindo série que reimagina o mundo como se o Orion fora levado a cabo e em 1963, 600 indivíduos tivessem embarcado numa nave-cidade em viagem de 100 anos até planeta orbitando Proxima Centauri, a fim de colonizá-lo. Essa é a premissa dos 6 capítulos de Ascension (2014), disponíveis na Netflix.
Sendo da SyFy e tocando Rocket Man, sucesso setentista de Elton John, na festa de lançamento da nave, quando a carreira do astro britânico ainda nem existia, meio que já previ que seria colossal besteirol. E foi mesmo! Tudo começa com o assassinato da jovem Lorelei e a designação dum investigador pra apurar o primeiro assassinato em Ascension, desde seu lançamento meio século antes. Aos poucos, descobrimos que há brutal divisão de classes na nave: a galera dos decks inferiores trabalha e convive com porcos e vacas, ao passo que os privilegiados dos superiores vivem num mundo de intrigas e lutas pelo poder, que envolvem sexo, tudo com visual início dos 60’s. Daí aparece garotinha com poderes sobrenaturais e começamos a ver o que parece ser o fantasma de Lorelei. Ah, mas antes disso tem super-revelação tchan, tchan, tchan, tchan, que injeta tom de teoria da conspiração e diabolismo governamental na trama.
Ascension atira pra diversos lados e erra todos os alvos, porque nada é suficientemente desenvolvido ou explicado. Que tenha fracassado crítica e publicamente determinou a brevidade dos 6 episódios, que oferecem alguma resolução no final, mas não tudo. É que não tem nada muito pra resolver, porque tava tudo diluído, sacumé?
Mediante o exposto, leitores devem achar que detestei Ascension. Acha? Vi com deleite; tipo, não amei, mas curti os anacronismos, o roteiro idiótico (alguém diz: como vou falar pra mãe dela que Lorelei está morta? Na cena seguinte, o comandante anuncia a tragédia pelo sistema de som na nave; ótima maneira de receber a notícia da morte de sua filha. Como não amar isso?) e a tentativa de fazer show pretendido tão esperto quanto o Projeto Orion, mas tão b(o)ab(o)aca quanto. A tal plot twist é realmente beeem legal, mas acontece cedo demais.
Ascension devia se chamar Descension. Mas, divertiu. 

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