quarta-feira, 27 de junho de 2018

CONTANDO A VIDA 237


BOLSONARO: o quarto B. 


José Carlos Sebe Bom Meihy 

Sou terminantemente contra abstenção eleitoral em qualquer situação. A democracia se faz e se refaz nos pleitos eleitorais. Depois de tanta luta pelo reestabelecimento do voto direto, da conquista do direito de sonhar com a propalada democracia plena, não admito também coisas do tipo voto nulo ou branco. Mas, por irônico que pareça, sou favorável ao voto livre e a não obrigatoriedade do comparecimento às urnas. Essa meditação se faz pertinente por razões pessoais, pois defendo a franca defesa de posições, de todas, independente de leis e censuras. Isso se me coloca como problema neste momento em que as opções dispostas se apresentam difíceis demais, verdadeiro convite à fuga. Confesso que de início até articulei viagem de trabalho no exterior para o mês de outubro e novembro, pensando em como me escapar da raia, mas a consciência doeu e me cobrei coerência. Quando supus estar fora no próximo sufrágio, levei em conta que a lei me faculta esta opção. Passei dos 70 anos, pronto, estou liberado. Ademais, conhecedor do meu envolvimento e bem alertado para cuidados com os batimentos cardíacos, me parecia prudente “me incluir fora dessa”. Reconsiderei quando vi as primeiras estatísticas. Com Lula vetado da jogada (carregando com ele 30% de eleitores fieis), desponta como segundo colocado o polêmico Jair Bolsonaro. Acho que fica mecanicamente explicada a razão da minha tentativa de catarse. Nem um e nem outro, mas, integrando algumas listas das redes sociais, me coloquei alerta frente os graves riscos que corremos. Sei que, andorinha, meu voto solitário, não faria verão algum, tenho, contudo, que me olhar no espelho e não posso deixar o cômodo acaso desviar minha insistente vocação cidadã. 

Os libelos contra o capitão Bolsonaro se multiplicam ad nauseam e são declinados por feministas, homossexuais, negros, indígenas e todas as minorias antropológicas respeitáveis. Nem vale repeti-las a fim de evitar o convite à depressão. Recentemente, porém, um pronunciamento a mais se somou àquelas parcelas abomináveis: a promessa do ex-militar retirar o Brasil da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) que, segundo ele “não serve para absolutamente nada”. Não bastasse tal absurdo, refez o elogio ao torturador mor Brilhante Ustra, num claro acinte à história. Convém contextualizar este recente pronunciamento que ocorre num momento particular da vida brasileira. Passados quatro meses da intervenção militar no Rio de Janeiro, depois de repetidas exibições fracassadas de forças bélicas, sem sucesso algum (nem mesmo para apurar o assassinato político da vereadora Marielle Franco, decorridos mais de 90 dias), pasmados assistimos uma histriônica movimentação militar no Rio de Janeiro, destinada a cumprir 22 mandados de prisão, sem sequer ter sucesso em pelo menos um caso. Pelo contrário, o que se vê é o recrudescimento das milícias, a multiplicação de bandidos e o fortalecimento das facções criminosas. E nunca se matou tanto como agora. Não bastasse a triste estatística que exibe quase 60 soldados mortos este ano, e o inominável quadro de crianças, adolescentes e mulheres grávidas atingidas por balas perdidas. Propondo ainda mais violência e repressão, em vez de apelar para inteligência e investimentos em educação e saúde, o capitão candidato a presidente apregoa que “guerra é guerra”. Mas será que guerra é o termo correto? Trata-se de uma guerra particular? Desde 1864, pela Convenção de Genebra, guerra tem regras e nós, povo ou governo brasileiros, não a declaramos. Não basta reprimir, e menos ainda armar a população que, munida, deveria fazer o que a polícia tem sido incapaz. 

Preocupa-me bastante, também, algumas atitudes do capitão presidenciável, sobretudo o fato de não apresentar um projeto de Brasil, um plano de governo que respeite a Constituição e as instituições estabelecidas, e, pelo reverso ele apenas se autoproclama capaz de, presidente, por fim na corrupção “à ferro e fogo”. Não se duvida da valentia do ex-capitão que, em que pese seu personalismo de pavio curto, se vale de apoiadores poderosos, principalmente das forças das bancadas BBB. Sim a turma da BALA, do BOI e da BÍBLIA (da leitura bíblica de certos evangélicos conhecidos, diga-se). Com votos ordenados por estas bancadas, a possibilidade de sua vitória se torna ainda arma mais letal contra a liberdade ampla e o debate público. Bolsonaro é o quarto B dessa combinação ameaçadora. Pensemos BALA, BOI, BÍBLIA E BOLSONARO. Pensemos... 

Devo dizer de minha preocupação com a possibilidade da eleição de Bolsonaro, mas não tenho como deixar de reconhecer que ele concorre em pleito livre. Tem todo direito. E na legitimidade que lhe é garantida, ele se mostra capaz de revelar um Brasil que precisa sim ser posto a público e se conferir. Ele representa parcela da sociedade, inclusive de jovens, e isso é importante de ser notado. É exatamente neste reconhecimento que se convoca a expressão pública para um debate amplo. Amplíssimo. A hora é esta, questionemos nossos valores e vocação para o diálogo e, mais do que nunca, vamos discutir, compor argumentos e coloca-los em todos os níveis.

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