quarta-feira, 20 de junho de 2018

CONTANDO A VIDA 236

ÉTICA NAS REDES SOCIAIS

José Carlos Sebe Bom Meihy

Falta muito para que possamos assimilar os efeitos da eletrônica na rotina de nossos dias. Quando olhamos pelo retrovisor, torna-se fantástica a admiração de como era a vida. Imaginemos, por exemplo o que aconteceu com o telefone. Lembremos que existiam “profissionais da telefônica”, que mediavam contatos entre as partes. Ligar para qualquer pessoa era quase um cerimonial e muitas vezes implicava demora, retornos e custava muito. Depois veio a fase dos sinais que muitas vezes nos fazia torcer para que não tardassem muito. E os fios telefônicos que nos aprisionavam em distâncias curtas?! Aliás, perto dos aparelhos sempre havia um banquinho ou cadeira. Isso não deixa de ser intrigante, pois as falas deveriam ser curtas. O custo dos aparelhos era enorme e demorava-se muito para chegar a oportunidade nas longas filas. De tal forma o problema da telefonia era expressivo que o estado interveio colocando os aparelhos na rua. Dia desses, um amigo chamava atenção em esclarecimento ao filho adolescente, explicando a expressão “cair a ficha”, pois as novas gerações sequer têm noção. O mesmo se diz dos cartões em desuso pela superação do sistema. 

Quando surgiram os primeiros aparelhos sem fios, as mudanças foram muito bem recebidas, graças a mobilidade tida como libertadora. Outra decorrência desse avanço pode ser medida pela simultaneidade: falava-se ao telefone ao mesmo tempo que se cozinhava, arrumava-se alguma coisa ou se vestia. Foi dessa época a mania de apoiar o fone no pescoço, e, falando nisso, não há como deixar de lado a capacidade feminina em repartir atividades paralelas. Os celulares significaram verdadeira revolução em todo processo. De repente, de uma hora para outra, uma síntese acelerada de tudo: espaço, tempo, mobilidade, tamanho, tudo se somou em uma maquininha que se tornou essencial. A tal ponto a dependência dos aparelhos se fez imperiosa que esquecê-lo em casa, dizia uma amiga, é como sair sem um dos braços. Em termos técnicos, o celular foi permitindo outras possibilidades que não apenas ser telefone. A internet talvez tenha sido a mais consequente decorrência e dela as redes sociais.

Alastrando-se como rastilho, começaram-se a multiplicar as redes sociais. Virando brinquedinho de adultos, como garotos em visita a um parque de diversão. E são legiões de adultos que rearticulam contatos e desdobraram-se em saudações, notícias e fofocas. Na surdina do progresso dos contatos, todos viram protagonistas, se assumem como divulgadores de suas causas e na sutileza da dualidade emissora, as fake news se fizeram personagens venenosas na intenção de confundir incautos. Semeando desavenças, certas invencionices foram ganhando tons políticos e consequentes. O fator multiplicação, sem dúvida, se responsabiliza pelo risco e pela popularização dos eventos criados para confundir. Sobre esta matéria, poderíamos alongar discursos que tenderiam ao infinito, mas interessa explorar outro lance que causa incômodos e exige cuidados. Por mexer em temas sensíveis, cabe inclusive lances de tangência filosófica ou pelo menos moral. 

Dia desse foi postada a imagem de uma criança de uns três anos, abrindo a bolsa da mãe e tirando dinheiro que escondia na própria roupa. Com o título de “filho de deputado”, houve compartilhamentos bem-humorados como que saudando a atitude malandrinha da criança. Em outra ocasião, a cena remetia a um cão sendo estraçalhado por um jacaré. Sobre cães e gatos há vasto repertório explorando, por exemplo, o medo dos animais que se apavoram com fogos. Sobre mulheres, loiras e mulatas principalmente, aquelas piadas que pretendem se situar no limite do pitoresco com o preconceituoso, tornam-se perigosas. O mesmo se diz de gays, gordos, anões, mendigos e religiões não bem aceitas. Todos esses procedimentos são discutíveis, mas um me atinge e convoca reflexões éticas mais consequentes: a exposição de crianças. Ora usadas como argumento sutil que reproduz defeitos sociais, são também evocadas como campo de experiências toleradas. Como que delegando falta de controle, crianças são mostradas fazendo coisas condenáveis, mas com condescendência. Entre a malandragem e a candura, se misturam usos impróprios de menores. E nem percebemos o mal que isso propaga. 

Convém assinalar que dois fatores se trançam de forma a complicar tudo: o engraçado e o interdito. No campo do humor, parece que vale tudo pelo riso ou malícia. O silêncio também atua como fator agravante, pois não se discute a gravidade do problema, e assim tudo rola na naturalidade do fluxo das postagens, que se sucedem vertiginosamente. Integram o mesmo pacote os cansativos desatinos ao que se convencionou chamar de “politicamente correto”. Como consciência culpada, é comum depois de um achaque desses, alguém falar mal do propósito ético que questiona o valor da brincadeira.

Frente a tudo isso, a questão que se coloca é: que fazer? Além de provocar o debate, sem apoios argumentativos coletivos, tenho tomado outra atitude: não reproduzir ou sequer comentar os casos. Considerando a necessidade de se discutir ética, cabe motivar discussões e saudar o respeito. Por certo, muito dos que enviam tais piadas ou comentários não têm intenção maldosa, mas intuitivamente atingem alvos frágeis. É chegada a hora de trocarmos ideias sobre essas coisas, pois a moral de história consagra do respeito além do riso.

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