quarta-feira, 6 de junho de 2018

CONTANDO A VIDA 234


E A COPA DO MUNDO NÃO É MAIS AQUELA...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Pois é... Somada à loucura do mundo todo – Donald Trump, Kim Jong-un, Vladmir Putin –  à vertigem dos acontecimentos brasileiros regados a balas perdidas, greves, descobertas diárias de escândalos, explosões de caixas eletrônicos e níveis de corrupção inimaginados, tudo junto, me faz perguntar: e a Copa do Mundo? Onde foram parar a alegria e a TPC (Tensão Pré-Copa)? Não é preciso muito exercício para notar a consternação que envolve nosso país e que cobre de tristeza e desapontamento corpos e mentes que deveriam estar eufóricos, ostentando as berrantes cores do Brasil. Por certo, muitos estão envergonhados por terem usados a camisa da Seleção em atos políticos vãos, e agora têm pudor em vesti-las como antes. “Nem se ouve mais cantar canções/ e nos corações saudades e cinzas/ foi o que restou...” será que Vinicius de Morais errou trocando o Carnaval pelo Futebol? Onde estão as bandeirolas, as paredes desenhadas com alusões aos “Campeões do Mundo”. A “Taça do Mundo é nossa!” É? Não há mais quem possa? “Sou brasileiro/ com muito orgulho”. Sou?
A agonia tomou conta da gente, roubou as risadas fáceis, furtou a esperança sempre pronta, descoloriu os eufóricos arroubos e tirou o som do “somos os melhores do mundo”. E vai demorar para expurgar tanta desgraça. Ai, como dói ver as mudanças das coisas afeitas ao nosso antes acarinhado “mundo da bola”. Por ironia, no “país do futebol”, dada a ressignificação simbólica daquela que um dia foi chama de “gorduchinha”, podemos avaliar como fomos esfalfados de perenes aleluias. E das probabilidades sempre alvissareiras, também. Sabe, quase chorei quando soube que o nosso Ronaldinho, o protótipo perfeito do herói problemático, o Fenômeno, aquele por quem tanto vibramos e sofremos, está prestes a comprar o time do Valladolid, da segunda divisão espanhola, isso pela bagatela de 30 milhões de euros. Negócio puro, produto de outra esfera, capitalista. Tudo compõe cifras formidáveis. Isso, aliás me faz pensar na prática de troca do nome afetivo dos jogadores – onde foram parar os Didi, Diamante, Cabeção, Feijão, Dinamite, que agora são solenemente referenciados também pelo sobrenome, já pensando na venda para times estrangeiros. Imaginemos que se fosse hoje, Pelé seria chamado de Edson Nascimento, Cafu seria Marcos Morais, tudo na mesma toada dos Zlatan Ibrahimovic, ou do Andrés Iniesta. E nem é para diferenciar como é o caso do nosso Ronaldinho Gaúcho, Toninho Cereso. Aliás, os diminutivos também sumiram e assim não temos mais referências como antes – ah! saudade do Zizinho...
E que dizer das regras que proíbem o festejo de gols com a torcida? Não se pode mais sair do campo, não senhor e não senhora, e, saibam que isso não é permitido “por questão de segurança”. Ai de quem ousar tirar a camisa em campo. Também não pode jogar com a meia abaixada. É nessa lógica disciplinadora daquilo que de jogo virou “esporte”, e agora “futebol-ciência”. Sim, o futebol se globalizou em grandíssimo estilo, a ponto de as taças entregues aos vencedores serem televisionadas em solenidades espetaculares, dois dias depois da vitória. E as seleções de ternos de grifes, especialmente desenhadas para embarque e chegada?! Os programas sobre o futebol agora viraram talk shows e são recheados de “outros quadros”, com “convidados especiais”, complementados por cantores, atrizes, políticos. Os jogadores transformados em “atletas” são elevados à categoria trabalhista de “profissionais do esporte” e alguns merecem rótulos como “atletas diferenciados”, ou “distinguidos no ramo”. Também se reclama do time ser do fulano de tal como se fosse a “Seleção de Neymar”, ou o “escrete do Tite”. Sumiu o “esporte das multidões”. Sumiu...
Sentido a proximidade da Copa do Mundo, não há como evitar desânimo ao constatar que os incentivos são mais midiáticos do que legitimamente populares. Ninguém mais discute injustiças na convocação e tudo é definido sem polêmicas. Se a unanimidade é burra, está aí a prova professada por Nelson Rodrigues. Juro que busco nas ruas sinais de folia, mas quanto mais procuro, mais noto camisas do Barcelona, do Real Madrid, e, sem protestos, até da Argentina. Com isso, vejo murmurante os refrãos mágicos da união das nossas torcidas, tão separadas umas das por rivalidades só explicáveis no ambiente político que vivemos. Ouvi outro dia, beirando torpor, que corre em redes sociais uma campanha para que o Brasil perca logo na primeira fase. Fiquei macambúzio porque, sinceramente, seria a ocasião melhor para ver lados separados por ódios retumbantes, unidos “na mesma emoção/ um só coração”. Cansei de ver torcida contra torcida, violência gratuita e furiosas batalhas marcadas pelas redes sociais. É “pau, é pedra, é fim do caminho”, e com mortos. Por lógico, há uma trama de negócios monitorando tudo isso: primeiro, proibiram a mistura de torcidas, depois, as separaram em partes, e por fim há casos, progressivos, de proibição de uma delas, ou até mesmo das duas.
De toda forma, estamos a poucos dias da estreia. Sei que na última hora vamos nos dar as mãos e esquecer o cenário desta Copa das mentiras. E vai ser bom, mesmo que por um instante, juntar nossas lembranças de outras eras. E por falar nisto, deixe-me procurar minha velha camisa... Sim, do jeito que estão as coisas não vou comprar o modelo novo. Nem a grana dá para gastar com sonhos passageiros...

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