quinta-feira, 7 de junho de 2018

TELONA QUENTE 239

Roberto Rillo Bíscaro

O filme mais recente do uruguaio Israel Adrián Caetano tem tudo pra ser listado como cult. Radicado na Argentina, o diretor do ótimo Um Oso Rojo (2002, com meu amado Júlio Chavez) andava meio caído, mas El Outro Hermano (2017) deve ter sido suficiente pra reconduzi-lo ao panteão alternativo.
Insistentemente pessimista, o filme foi inspirado pelo romance Bajo Este Sol Tremendo, de Carlos Busqued. Desconheço porque Caetano descartou título tão sugestivo em favor do genérico O Outro Irmão, conforme traduzido no catálogo da Netflix. A quentura do sol seria cortante contraponto irônico pra frieza emocional dessas personagens meio à irmãos Coen.
Javier Cetarti vem de Buenos Aires pro escaldante, semiárido e miserável norte argentino a fim reconhecer os corpos mutilados e já apodrecidos de sua mãe e meio-irmão. Há anos sem contato com a família, Javier não se importa, só lhe interessa coletar o dinheiro do seguro e se mandar pro Brasil. Quem o auxiliará nisso é o falante resolve-tudo Duarte, que quando não está fraudando pensões e seguros dedica-se à honesta profissão de sequestrador, auxiliado por um meio irmão fajuto de Duarte. Fajuto, porque nem esse laço é real em O Outro Irmão: o moleque maconheiro é filho da primeira mulher do padrasto, ou seja, não tem nada a ver com Certati.
Falta ou falha de conexão emocional é o fulcro desta história onde ninguém se importa, restos mortais acabam na privada, o filho sequer consegue tocar a mãe em coma e não há herói com o qual se identificar. O Outro Irmão não serve pra quem procura diversão escapista pra esses tempos abundantes em ruindades globais. Não há redenção; é a lei da selva repercutida nos animais peçonhentos esmagados, no moleque viciado em documentários sobre vida selvagem e na avidez por grana, num ambiente no qual é escassa e parece não ter lei, a não ser a do acaso, caos ou sina.
Suspense, gore, western urbano e mais subgêneros se entrecruzam nesse meio de nada argentino, onde as roupas são sujas, as personagens suam o tempo todo, a trilha sonora é tão sinestésica como a de Paris, Texas (1984) e o elenco dá show, especialmente Leonardo Sbaraglia, como Duarte. 

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