segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 303


Roberto Rillo Bíscaro

No mundo das artes não faltam histórias de trabalhos “perdidos”, seja porque não restaram cópias, seja porque sequer foram concretizados. Quantas bandas não fizeram apenas shows, os quais não foram registrados, portanto, só restam aos musicólogos atuais relatos de integrantes ou espectadores?  Fãs ficamos curiosos, mas morremos sem conhecer trabalhos considerados precursores do estilo que amamos.
A cena do rock progressivo brasileiro certamente tem seu quinhão de grupos jamais registrados. Um deles era o Vitral, formado no Rio de Janeiro, no início dos anos 1980, por Alex Benigno (guitarra e teclados), Claudio Dantas (bateria e percussão), Eduardo Aguillar (baixo, teclados e guitarra), Elisa Wiermann (teclados) e Luis Bahia (guitarra e baixo).
A banda atuou por cerca de dois anos e pouquíssimos registros subsistem. Mas, graças à algumas partituras, raras fotos e fitas cassete com gravações domésticas encontradas por Eduardo Aguillar em seu arquivo, surgiu a ideia de produzir um álbum com suas músicas compostas para a banda.
O que a princípio seria trabalho solo, transformou-se na proposta de unir os antigos integrantes para participarem do projeto, convite imediatamente aceito por Claudio Dantas. O Vitral reconstituía-se.
A formação atual é: Claudio Dantas (bateria e percussão), Eduardo Aguillar (teclados), Luiz Zamith (guitarra), Marcus Moura (flautas), Vítor Trope (baixo). Todos experientes na cena prog nacional, tanto em suas carreiras-solo, como em suas participações em bandas como o Bacamarte e Quaterna Réquiem.
O Vitral passou então a arqueologizar sua própria história e trouxe à luz o álbum Entre As Estrelas, lançado pela Masque Records, no final de dezembro. São três faixas, compostas por Eduardo Aguillar entre 1983 e 1985, exceto as 'Estações', constantes da quilométrica canção que nomeia o CD: estas foram escritas em 2016.
Não dá para negar a raiz oitentista do prog do Vitral. Mesmo gravado ano passado, o estilo das composições e mesmo a sonoridade remetem a bandas europeias e latino-americanas da década, que se inspiravam no sinfônico setentista, mas já compunham e tocavam sob o impacto dos novos sintetizadores e da influência de artistas como Jean Michel Jarré.
Pétala de Sangue abre solene, mas não demora nada a apresentar suas verdadeiras cores alegres. Intercalando solos de guitarra, teclado e flauta, há momentos que dá a impressão de trilha sonora para filme de fantasia oitentista ambientado na Idade Média. Dá vontade de cirandar por torneios e feiras do medievo. 
Em um álbum inteiramente instrumental, o grande teste vem com a faixa-título, que dura quase 52 minutos e meio. Estivéssemos na época em que a maioria de suas partes foram compostas e não sobraria espaço para as outras duas canções e mesmo ela teria que vir dividida entre os lados 1 e 2 do bolachão de vinil. Entre as Estrelas é constituída de vários segmentos interligados pelas Estações mais recentemente idealizadas. Em sua maioria o clima e andamento são vibrantes, meio de corrida espacial mesmo
Depois de tanto agito, repouso faz-se necessário e então entra a faixa-fecho, Vitral, com seu delicado clima quase litúrgico de pós-medievalidade.
Entre as Estrelas, o álbum, é um achado para quem acompanha a cena prog brasileira, pois recupera material que poderia se perder nas inclementes areias do tempo.
Você pode ouvir o streaming oficial do álbum, no link abaixo:

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