terça-feira, 8 de novembro de 2016

TELINHA QUENTE 237

Resultado de imagem para black mirror season 3
Roberto Rillo Bíscaro

(Sugiro a leitura da resenha das 2 primeiras temporadas pra melhor contextualizar o show)

Os mordazes comentários de Charlie Brooker a respeito do cenário social pós-moderno insidiosamente tornaram-se sucesso cult. As 2 curtas temporadas de Black Mirror exibidas pelo Channel 4 não tiveram o alarde reservado a séries bem inferiores, mas conquistaram gente certa nos lugares corretos. Um dos resultados é que o inglês foi convidado pra transferir seu circo de horrores sci fi pra badalada e bem-dotada-orçamentariamente Netflix. Dia 21 de outubro, a plataforma liberou a meia dúzia de episódios da temporada 3. Mais dinheiro e dedo corporativo norte-americano não comprometeram a alta qualidade e independência de ideias de Brooker, que por vezes atinge o genial.
Ao contrário da série 1, que começava com episódio tão estupendo a ponto de ofuscar o que veio adiante, essa encarnação abre com um dos mais fracos, o que no universo Brooker significa um bom episódio. Sente o nível de Black Mirror! Nosedive se passa num futuro não muito distante, onde as pessoas são ranqueadas por sistema não diferente dos atuais “curtir” das redes sociais. Quanto mais alta sua popularidade, mais status e direitos você possui nesse mundo onde a boa educação e finesse são artificialmente atingidas, porque quase todo mundo é falso, a fim de obter mais estrelinhas nos onipresentes celulares. Lacie é a protagonista sempre vestida de rosa ou tons pastel que vive com seu celu em punho e pauta sua existência em função da avaliação dos outros. A ideia é padrão Brooker, mas quando a moça mergulha no inferno da reprovação social e da lama, algo da originalidade se esvai (tem hora que lembra até filme do Steve Martin), além de uma provável inconsistência na psicologia das personagens do meio social onde habita uma falsa amiga de Lacie. Duvido que eles não reprovariam a patricinha por ser amiga da enlameada e boca-suja Lacie. Pensando bem, a companhia aérea também não deixaria os passageiros do voo cancelado assim sem eira ou beira por medo de avaliações negativas.
Em termos de sensibilidade, o campeão é o impressionante San Junipero, que além disso é essencial pra oitentistas maníacos. Trata-se de história de amor entre 2 mulheres, cuja reviravolta na trama e as implicações provenientes são comida pra discussões que vão de filosofia ao suicídio assistido. Men Against Fire tem a típica linguagem dos filmes de guerra. Esse é um dos muitos pontos fortes de Charlie Brooker: saltitar de subgênero a outro pra inserir suas ideias instigantes de ficção-científica ou/e horror (mais frequentemente e). Militares são fanáticos em exterminar humanos anomalizados geneticamente, conhecidos como “roaches”, diminutivo em inglês pra baratas (cockroaches). Ano passado uma articulista britânica chamou imigrantes de cockroaches e disse que ao invés de barcos de resgate, navios de guerra deveriam ser usados pra acabar com os ilegais. A plot twist é algo previsível, mas também abre pra discussões sobre manipulação. Nossa, será que o Michael Kelly, de House Of Cards, não faz papel simpático?!
Meus favoritos foram os episódios 2,3 e 6. Playtest usa convenções dos filmes de casa mal-assombrada, mas imagina as aparições como projeções de realidade virtual, a partir dum chip implantado na cabeça dum jovem edipiano e medroso de aranhas (Freud e Raul Seixas explicam). Tenso e dá sustos. Uma série de “TV” consegue ser melhor do que qualquer filme de terror que vi este ano. Shut Up And Dance tem algo a ver com o brilhante episódio inicial da temporada 1, porque trata de chantagem, mas desenvolve o tema pra atingir uma rede, coagida por ter feito “coisa feia” na rede mundial de computadores. Um episódio que não dá trégua no pessimismo e cinzentice. Hated In The Nation tem duração de longa-metragem e mistura história de detetive com cine catástrofe. Esses 2 subgêneros são magistralmente ligados por um tema ecológico, então o assassino du jur é maciço, numeroso e tecnologicamente criado. Um arraso e o final ainda dá tchauzinho pra Silêncio dos Inocentes (1991).
Ao que tudo indica, uma quarta temporada com mais 6 histórias está garantida. É torcer pro cérebro de Charlie Brooker ainda conter imaginação pra mais visões assustadoras da contemporaneidade.

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