sexta-feira, 4 de novembro de 2016

PROJETO DE LEI ALBINO NA ARGENTINA

O sofrimento de viver sem cor
A falta de pigmentação produz uma série de problemas na pele, olhos e ouvidos. Um projeto de lei busca proteger as pessoas passam por isso e assegurar-lhes cobertura nos convênios médicos
Nicolás Romero
(Tradução: Roberto Rillo Bíscaro)
Protetores solares o ano todo, cremes hidratantes, óculos. Cuidados especiais na casa, escola, trabalho. As pessoas com albinismo (PCAs) possuem uma série de necessidades diárias que nenhuma norma contempla. Por isso, durante a Jornada Nacional sobre Albinismo que aconteceu dia 27 de outubro no Congresso Nacional, se apresentou o projeto –primeiro em nível mundial – para dar-lhes proteção e assegurar-lhes o acesso à saúde. Organizações de todo o país que arregimentam albinos aprovaram a iniciativa, da deputada radical Brenda Austin.
O albinismo é uma alteração genética congênita em que ocorre a ausência de pigmentação (melanina) nos olhos, pele, pelos e ouvido. Pode ocorer em todas essas partes ou apenas em algumas. A falta de pigmentação na pele desprotege as PCAs frente à radiação solar, o que lhes pode acarretar desde queimaduras até câncer de pele. No caso dos olhos, a desproteção lhes ocasiona muitos problemas de visão. No ouvido, produz hipoacusia (redução da capacidade auditiva). Não há estatísticas nacionais, mas estima-se que cerca de uma em cada 17.000 pessoas tenha algum tipo de albinismo.
Antes do evento, Página/12 conversou com María Sosa, de 22 anos, estudante de medicina, que tem albinismo, e com Patricia Avendaño, mãe de gêmeas albinas, de dois anos e meio. Ambas são membros da Albinismo Argentina (ALBI).
María contou que “o projeto tenta resolver os problemas de acesso à saúde, já que os custos são muito altos, e nem o estado, nem os convênios nos cobrem, e também que haja um diagnóstico desde o nascimento, para melhorar a qualidade de vida”. Temos muitos problemas de vista e por isso devemos usar óculos com filtros especiais e ampliadores visuais (lupas eletrônicas que custam caro) para poder ler”.
Sobre o assunto, Patricia esclareceu que “os quatro pares de lentes, duas para cada uma das gêmeas, custaram 36.000 pesos”.
“Além disso, necessitamos de cremes para hidratar constantemente a pele e protetores solares (fator 50 para cima) durante todo o ano”, explicou a estudante. “Cada protetor custa entre 500 e 700 pesos, e embora aumente o uso durante o verão, temos que usá-lo o ano todo. Mas, o uso do protetor é um processo de aprendizagem, porque no caso das crianças há que habituá-los, assim como aos professores nas escolas”. “Para nós, sair significa pegar as chaves e o protetor”, explanou a mãe das gêmeas.
A lei busca garantir “o acesso livre e gratuito aos tratamentos médicos necessários, incluindo psicológicos, clínicos, oftalmologistas, dermatologistas, geneticistas e todos os procedimentos médicos requeridos para uma atenção multidisciplinar e integral do albinismo e das complicações derivadas”.
A lei também contempla “um curso de especialização para os médicos”, explicou María, porque “necessitamos de tratamentos com especialistas y há uma grande quantidade de profissionais não capacitados no assunto”. “Quando nos consultamos é aí que começam a estudar o tema, para depois nos ajudar. Isso não nos adianta muito”, esclareceu.
Patricia também ressaltou dois pontos da lei: a implementação de um protocolo de detecção precoce do albinismo, nos estabelecimentos de saúde e a instrumentalização de mecanismos de estímulo visual desde a infância. Ela explicou que “estimulação visual consiste em uma série de trabalhos com iluminação, formas ou cores, que ajuda a fixar a vista, e quuando se faz desde muito pequeno, permite recuperar visão”. “No princípio, eu mostrava a minhas filhas uma maçã e o desenho de uma maçã, e para elas era a mesma coisa, pois não têm visão tridimensional”, exemplificou.
A lei também prevê um estudo genético nos casos em que haja indícios de albinismo. “Porque os médicos vão pela brancura, pela pele sem pigmentação e diagnosticam como se fossem todos iguais”, diz Patricia, antes de esclarecer que “ela – apontando para uma das gêmeas – vê menos, tem menos tolerância dermatológica e é mais alergia”. Ademais “existe albinismo ocular, sem cabelo branco. Tem gente que foi diagnosticada já adulta, porque era loira. Não é fácil de detectar nesses casos, mesmo que sempre haja sinais”. Ela acrescentou que estudos de terapia génica preveem a possibilidade de curar o albinismo ocular, quer dizer, pigmentar o olho e reduzir a fotofobia.
A normativa também promove a articulação e coordenação com o Ministério da Educação e Esportes para a capacitação de educadores.

A mãe das gêmeas ressaltou que “há pequenas mudanças que podem melhorar muito a estadia das crianças nas escolas, mas para isso os professores têm que conhecer o assunto”. “Essas mudanças vão desde cobrir a carteira, em sua maioria brancas e causadoras de desconforto visual, mudar o aluno de lugar para que não pegue tanta claridade ou colocá-lo perto da lousa para que copie, ou saber que quando sai para o pátio tem que passar protetor”. Ela ainda afirmou que “acima de tudo, a lei vai destruir o mito de que o diferente é ruim. Isso muda a vida de muita gente”.

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