sexta-feira, 4 de julho de 2014

FAVOR DO DESFAVOR

O blog Desfavor fez grande favor à causa albina divulgando informações sobre nossa condição genética, dados educacionais, desfazendo mitos e, por fim, indicando meu trabalho, pelo que agradeço. 


Desfavor Explica: Albinos.

Nosso corpo, olhos e cabelos tem a cor que tem graças a um pigmento chamado “melanina”. O corpo humano produz esse pigmento na camada mais profunda da pele (papo técnico: derme) e ele vai se espalhando para as camadas mais superficiais. Mas, para que isso aconteça, é indispensável a ajuda de uma enzima (papo técnico: tirosinase). Algumas pessoas nascem com uma alteração genética que bagunça esse mecanismo: não possuem o gene responsável por dar ao corpo a “ordem” para produzir essa enzima.
Assim, sem essa ordem, o corpo não produz a tirosinase. Sem a tirosinase não há melanina. Sem melanina não há pigmentação. Sem pigmentação, a pele fica rosada, os cabelos loiro claro ou brancos e os olhos azuis, cinzas, ou rosados (dependendo da luz podem parecer vermelhos). Esse grupo de pessoas cujo organismo não produz melanina é conhecido como Albinos e podem existir de três formas diferentes: 1) Ococultâneo total ou parcial (que afeta o corpo todo), 2) Ocular (somente os olhos sofrem despigmentação) e 3) Parcial (não há produção de melanina apenas em algumas partes do corpo).
Essa mutação é chamada de “albinismo”, espero eu que não por muito tempo. O sufixo “ismo” indica uma doença, razão pela qual já se aboliram termos como “homossexualismo”, que sabidamente não é uma doença. O albinismo é tratado como doença pela OMS, mas os albinos não me parecem doentes. Um albino é uma pessoa como você e eu, apenas não tem pigmentação na pele, olhos e cabelos. Alteração genética nem sempre é sinônimo de doença.
Essa alteração pode ser uma mutação “ao acaso” ou uma combinação genética de duas pessoas portadoras dessa característica. Vale lembrar que uma pessoa pode possuir essa mutação genética mas não ser albina, ser apenas portadora do gene. É a combinação de duas pessoas com essa característica que gera uma criança albina.Pessoas com pigmentação normal podem ter um filho albino e albinos podem ter um filho com pigmentação normal. Não custa dizer que não é “contagioso”, nem se adquire ao longo da vida. Albino se nasce.
O fato de não ter pigmentação pode deixar os albinos mais propensos a algumas doenças, como câncer de pele, por exemplo, mas isso não os torna doentes. Orientais são mais propensos a algumas doenças, pessoas de ascendência mediterrânea também, e isso não os faz doentes, certo? Infelizmente no Brasil aquilo que é diferente do convencional, do padrão, é visto com medo, estranhamento e desconfiança. Sim, também existe o preconceito por ser branco. E o preconceito está em todas as classes, até mesmo na classe médica: muitos ainda tratam albinos como doentes e tem poucas informações sobre os cuidados que eles precisam.
Estima-se que existam cerca de 12 mil albinos no Brasil, mas até onde pude pesquisar, não foi feita nenhuma estatística oficial, não tenho ideia de como se chegou a esse número. Normalmente eles são registrados como “brancos” e ponto.Também existem graus em cada condição, alguns são tão leves que a pessoa sequer percebe que tem albinismo, principalmente se sua família for de pessoas muito brancas, com olhos claros e cabelos claros. Um exame oftalmológico pode confirmar se a retina e a íris são transparentes ou até mesmo um exame de DNA que pode esclarecer essa dúvida. Albinos podem ser confundidos por pessoas portadoras das Síndromes de Griscelli ou Waardenburg, por exemplo. Na dúvida, tem que procurar uma segunda e uma terceira opinião.
Por não produzir melanina, os albinos devem evitar ao máximo a exposição ao sol. Protetor solar não basta, também se recomenda o uso de roupas feitas com tecido especial que proteja contra os raios solares. A visão também pode requerer atenção especial, a ausência de pigmentação na íris e na retina somada a uma alteração no nervo óptico podem tornar difícil para os albinos ver o que nós vemos com facilidade, como por exemplo um letreiro luminoso em um ônibus. A falta de pigmentação dificulta a visão em ambientes de muita luminosidade e não raro eles tem dificuldade para visualizar letras pequenas ou detalhes à distância.
Por muito tempo isso não era bem explicado ou divulgado. Com isso, crianças albinas muitas vezes acabavam tendo um desempenho escolar ruim. Quando você tem um problema de visão que nasce com você, fica difícil descobrir que tem um problema de visão. A dificuldade de enxergar em ambientes muito iluminados ou de focar letras pequenas ou detalhes acaba não sendo percebida de imediato.
Uma coisa é enxergar perfeitamente e começar a desenvolver uma miopia, por exemplo. Você tem um parâmetro de comparação: consegue ler algo e depois não consegue mais. Crianças albinas não tem esse parâmetro de comparação e muitas vezes não conseguiam identificar que seu rendimento estava ruim por uma mera dificuldade de visão. Conclusão: durante muito tempo se pensou que eles tinham alguma deficiência cognitiva. Típico do ser humano: se é visualmente fora do padrão, a presunção costuma ser negativa.
Existe recursos simples para ajudar a melhorar o desempenho de uma criança albina na escola, coisas como provas com letras aumentadas,sentar em um lugar que lhe favoreça a visão (quanto menos luminosidade e reflexo melhor), uso de óculos, monóculos, folhas com linhas muito escuras e maior espaço entre elas ou qualquer artifício que melhore sua visão e, sobretudo, o respeito dos professores. Por exemplo, um professor de educação física jamais deve obrigar uma criança albina a fazer exercícios debaixo de sol.
Infelizmente nem sempre é isso que se vê na prática. Enquanto reservam assentos para facilitar a vida de pessoas obesas, que assim se encontram por mérito próprio, se ignoram as necessidades de crianças albinas. Uma criança albina não precisa de uma escola especial, ela é tão ou mais capaz do que uma criança que tenha melanina e dizer o contrário é uma forma de racismo invertida. O que se precisa é de informação, que infelizmente o Estado não dá.
Hoje se sabe que albinos tem perfeita cognição e que se houver alguma dificuldade no aprendizado escolar não é por sua capacidade intelectual e sim por um simples problema de visão. Um boné para evitar a claridade, um óculos ou até mesmo a boa vontade da professora fazendo letras maiores pode fazer toda a diferença. Mas o preconceito continua. Estamos falando de Brasil, um país onde se exorcizam pessoas que tem uma crise epiléptica. Imagina o quanto não sofre uma pessoa com olhos avermelhados ou pele excessivamente branca.
Além dos mitos sobrenaturais envolvendo albinos, existem os mitos científicos. Já ouvi muita gente informada dizer que albinos vivem menos, que são pessoas mais doentes e que são mais frágeis. Bem, do ponto de vista da falta de pigmentação de fato eles devem tomar alguns cuidados, mas isso não quer dizer que estejam condenados a morrerem jovens.
O mito é uma grande confusão que faz com o albinismo em animais: um animal albino de fato está em desvantagem com os demais, pois sua visão pode não ser tão boa, o que o atrapalha na hora de caçar sua comida, ele não pode se camuflar com facilidade e o coitado não tem a prerrogativa de usar protetor solar. Mas nada disso encurta a vida de um ser humano: um albino pode comprar sua carne no supermercado, usar óculos de grau e se proteger do sol.
Os albinos ganharam o apelido de “filhos da lua”, isso porque a exposição ao sol lhes faz muito mal, podendo inclusive gerar queimaduras de terceiro grau com muita facilidade. Assim, eles preferem o período noturno para sair às ruas e praticar suas atividades. Além disso, com menos claridade conseguem adaptar melhor a sua visão, já que a maioria tem fotos sensibilidade. Daí para o preconceito é um pulo: vampiros é a coisa mais agradável que alguns escutam. Isso gera inúmeros problemas de adaptação social e relacionamento, mas quem tem uma doença não são os albinos, e sim as pessoas que os discriminam. Uma doença chamada desinformação.
Já ouvi falar que “albinismo” tem como um dos seus “sintomas” prejudicar a sociabilidade da pessoa. Besteira. A única coisa que um albino tem prejudicada é sua produção de melanina! Mas, quando você é olhado como uma atração de circo desde pequeno, se retrai quase que involuntariamente. Não é verdade que albinos tenham problemas de sociabilidade. A verdade é que qualquer pessoa tratada ostensivamente como diferente desde sempre vai desenvolver algum mecanismo de defesa para lidar com isso.
O preconceito não se limita ao Brasil. Recentemente o Papa Francisco está participando de uma campanha para denunciar o massacre e a perseguição dos albinos na África. Há uma incidência maior de albinos entre pessoas de pele negrae muitos africanos creditam a albinos diversos mitos. Alguns acham que sejam amaldiçoados, fantasmas ou sinal de azar e os perseguem,outros acreditam que mata-los ou mutilá-los traga boa sorte e riqueza.
Relatos da ONU indicam que na Tanzânia ocorreram 72 assassinatos de albinos nos últimos dez anos. Levando em conta que o índice de albinos costuma ser de um caso para cada 15 mil pessoas no mundo, é um número alarmante, apesar de ser aparentemente baixo. Há até relatos de homens portadores de HIV que acreditam que estuprar uma menina albina curaria sua doença. Preocupante. Os albinos que vivem na África vivem com medo.
Normalmente os pais de crianças albinas ficam perdidos, pois nem mesmo na internet é fácil encontrar informação detalhada. No Brasil, hoje, existe o programa Pro-Albino, voltado para atender e orientar albinos e seus familiares. O projeto começou em São Paulo, mas a ideia é que alcance todo o Brasil. Também existem projetos de lei que lutam pela distribuição gratuita de protetor solar (que para os albinos é praticamente um medicamento preventivo, já que sua pele não possuí defesa contra os raios solares), e óculos.
O curioso é que eu nunca vi um albino se vitimizar. Ao contrário de outras minorias, que tentam tirar proveito de tudo, sempre os vejo de forma digna, discreta. Merecem meu respeito. O nosso respeito. Já passou da hora de pararmos de olhar albinos como algo desconhecido, misterioso ou exótico. É hora de olhá-los como eles realmente são: uma pessoa como você e eu, que apenas não possuí pigmentação na pele, olhos e/ou cabelo. Essa é a melhor medida inclusiva que alguém pode adotar: tratar com normalidade.
Para quem quiser saber mais sobre a “Causa Albina” (por falta de palavra melhor…) recomendo um passeio pelo blog ou por alguma entrevista do Roberto Biscaro. Didático, inteligente e informativo. Ah, sim, o texto de hoje está em letras maiores de forma proposital.

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