terça-feira, 15 de outubro de 2013

TELINHA QUENTE 94


Roberto Rillo Bíscaro

Por mais de 4 décadas as telinhas abertas dos EUA foram dominadas pelas Grandes 3: ABC, CBS e NBC. Em meados dos anos 80, a Fox Network ambicionava abocanhar fatia maior do gordo bolo e lançou uma série de shows em 1987. Um deles foi a sitcom sem sabor Mr. President, estrelando George C. Scott (escrevi sobre ela aqui).
Outra foi uma produção inusitada no mundo das sitcoms, que exerceria massiva influência: Married... With Children. As comédias familiares –na TV desde os anos 50 com Papai Sabe Tudo e nos 80’s, com o estouro de The Cosby Show, dentre tantas outras – apresentavam famílias semiperfeitas, onde em cada episódio todos terminavam rindo, depois de passarem edificante lição de moral. Os telespectadores certamente sentiam que suas famílias eram um lixo, quando comparadas com a idealização televisiva.
Um Amor de Família – irônico título em português – chutou o balde com uma coleção de personagens escrachadamente repulsivos. A família Bundy é puro white trash: grossa, ignorante, preguiçosa, desonesta. Os episódios não apenas dispensaram a lição de moral, mas abusavam do politicamente incorreto e da malandragem a la Tio Sam.

Al Bundy tornou-se ícone dos perdedores. Na adolescência, sua carreira como jogador de futebol prometia, mas ao engravidar a namorada Peggy vê-se obrigado a arrumar colocação provisória como vendedor numa loja de sapatos. Na meia-idade, aquele ainda é seu emprego e a vaidosa e viciada em compras Peggy ainda é sua esposa, contra a qual dispara comentários derrogatórios durante 11 temporadas. A recíproca é verdadeira: Peggy detona e sabota Al sempre que pode, embora procure por sexo o tempo todo, coisa que o marido evita por sentir asco e não ser mais tão potente.
Soma-se o casal de filhos. Kelly é a loira burra e gostosa, biscatinha. Bud é o mais inteligente do bando e tão sensato quanto o universo de Married With Chiildren permite, mas não arruma garotas e referências a suas práticas masturbatórias e com bonecas infláveis persistem por toda a série, a qual levei cerca de ano e meio pra ver completa.
As primeiras temporadas não ameaçaram a hegemonia das Big Three, mas em 89 uma dona de casa puritana com tempo livre demais nas mãos iniciou solitária campanha exigindo o cancelamento do humorístico. Ela enviou faxes a cada patrocinador ameaçando boicotá-los. Essa cruzada teve triplo efeito:
1 – alguns patrocinadores retiraram seu suporte.
2 – a tiazinha destacou-se em diversos veículos midiáticos com sua campanha anti-imoralidade.
3 – a série, antes sucesso cult, aumentou sua audiência em quase 150%, transformando-se no maior sucesso da Fox. As marcas desertoras imploraram pra voltar a serem patrocinadoras, pagando astronomicamente mais.
Má publicidade atrai público.
Married With Children é hilariante! Quase tudo é humor de banheiro, mas o show quebrou inúmeras convenções e trouxe influências das histórias em quadrinhos e até de teatro do absurdo a milhões de telespectadores no mundo todo.
O elenco é impagável e perfeito. O galã Ted McGinley de Dynasty surpreendeu-me com sua veia cômica, encarnando o marido vagabundo e gigolô da vizinha Marcie, moça de carinha meiga, que esconde sadismo e sexualidade insaciável.
O centro da vulgaridade catártica, porém, é Ed O’Neil, como o fedido, mal vestido e educado Al Bundy. Caretas, gestos, tom e modulação de voz, tornam-no irretocável. E que prazer prum ator participar de 2 séries cômicas que mudaram o cenário televisivo. Ed está na também influente ModernFamily, ora em sua 5ª temporada.
Married With Children abriu as portas pro escracho das famílias e anti-heróis dinsfuncionais dos Simpsons, Family Guy e afins. A família Bundy é mais ousada, uma vez que utilizou recursos de desenhos animados em personagens de carne e osso.
Apesar da superfície revolucionária todos esses shows têm subtexto conservador: apesar de viverem vidas miseráveis em família, essas pessoas permanecem juntas. Algo como, não há alternativa a não ser o inferno da família nuclear patriarcal.
Mas, quem resiste quando Al Bundy entra em casa, faz cara de tédio torturado e começa a contar sobre seu dia horrível na sapataria e os insultos dirigidos às freguesas obesas, enquanto sua família não lhe dá a menor bola?
Ed O’Neil É o cara!

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