quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

CONTANDO A VIDA 64

Nesta semana entre o fim de um ano e começo de outro, nada melhor do que o sábio filosofar de nosso cronista José Carlos Sebe.


ENTRE O COMEÇO E O FIM... OU, a arte dos recomeços precários.

José Carlos Sebe Bom Meihy
Para Ruthe Rocha Pombo

Lobato, nas Memórias de Emilia, faz graciosa menção às árduas dificuldades para começar qualquer texto, aliás, dono de magas invenções, apregoava que terminar um escrito é muito mais fácil, pois bastaria um “finis”, “the end” ou mesmo um prosaico ponto final. Drummond, em um dos meus versos favoritos, Memória, enfatizava a solenidade das finalizações: as coisas findas, muito mais que lindas, estas ficarão. Entre o começo e o fim, contudo, nada é tão simples, linear ou objetivo. Mediando nosso início e término existenciais, resta cumprir trajetos que, como benção ou maldição, dão sentidos à vida. Sim, no fim de nosso tempo vivente teremos que responder se valeu ou não ter existido. O fatal disso tudo é que, mesmo para os crentes, a eternidade dependerá das seleções feitas em vida. Céu, inferno, purgatório, tudo estaria sujeito a uma contabilidade bizarra, onde são arrolados acertos e erros. Filosofando, somos sempre convidados ao livre arbítrio expresso na sequência de atitudes que justificam o viver. O “entre” nascer e morrer se impõe como pedra no meio do caminho, evocando outra vez Drummond. E, então, escolhas funcionam como bússolas a nos guiarem em funduras existenciais de misteriosas decifrações.
É sob a égide das alternativas a que somos submetidos diuturnamente que tudo se transmuda mais abstruso, como se a cada situação implicasse dilema que por sua vez encerra espécie de pequenos ensaios da morte definitiva. No zig-zag da existência, multiplicam-se tropeços que nos coagem encarar o juízo moral de nossa biografia. Sim, “entre” o berço e o túmulo exercitamos as sutilezas dos recomeços. Recomeço, palavra danada de intrigante. E profunda. Começar de novo, repetir Sísifo com sua pedra diariamente tombada para começar vez mais; será essa nossa sentença fatídica? Foi pensando nisso que me permiti trocar metáforas literárias pelos ensinamentos do trivial futebol, mas não sem requintados ares filos. O luxo do saber imputa certo atributo às idéias e permite traduzir no jogo de bola qualidades analíticas que conferem paralelos ontológicos. Sim, a vida pode ser equiparada a jogo que, sempre, se inaugura e acaba, tem duração prevista, mas a cada gol permite retomada. A bola devolvida ao meio do campo depois de falha vale como lição para quantos, certos do início da partida e tementes do fim se investem de novas chances. Assim temos: inícios, fins e... recomeços.

Na fatuidade dos acontecimentos está o ensejo de entender o que diz a canção do Roberto: é preciso saber viver. Que fique claro, porém, que nada permanece ou se eterniza e mesmo os bons momentos, os tais acertos, precisam da dinâmica da transformação. Tudo envelhece, ainda que a experiência possa beijar a idade como delicadeza crescente. A vida, esse continuum, ensina muito, sabe-se. Repito sempre que o verbo mais fundamental do dicionário é “aceitar”. O primeiro andamento para qualquer ameaça de ruptura reside na capacidade de acessão dos erros, nossos ou alheios. Admitindo enganos, abrimo-nos para o filtro sagrado do acerto que invariavelmente convoca o reinício. Isso nos eleva à categoria que poderíamos rotular “sabedoria”. Se algum segredo comanda o bem viver é a alegria. Não tenho dúvidas: fazer tudo com contentamento nos garante a soberania que, contudo, no ritmo dos dias, infelizmente, também se esgota e impõem recomeços. Quando, porém conjugamos a aceitação dos fatos com a alegria esbarramos na plenitude que, sim, anoitece, mas nos faz amanhecer melhores. A fatalidade do efêmero, pois é convite às conversões e por meios de erros podemos reverter derrotas que fazem sentido se com elas nos aperfeiçoamos.
Mas, qual o segredo dos recomeços? Em primeiro lugar o aprendizado da autocompaixão, daquele sentimento estranho que derruba a ladainha de penalidades e agressões imputadas a nós mesmos. Sim, é preciso debelar a negatividade das estimas pessoais e ver que é bobagem, como disse João Gilberto, discutir por discutir, só pra ganhar a discussão. Ceder, reconhecer-se miúdo, pode espelhar maturidade, é crescer, porém, isso apenas ocorre quando nas relações com o mundo aprendemos a perdoar e, para que o perdão exista temos que aceitar. Abrigar falhas pessoais ou alheias e dar a elas descontos é mais do que ser bom. Aprendemos algo de divino quando reconhecemos o espaço da remissão – santo Agostinho diria “estado de graça”. Pois bem, exercitando a aceitação, estimulando a alegria e distribuindo perdões medidos vamos desaprendendo mesquinharias e em troca ganhamos a grandeza de ser delicados e a doçura do convívio sagaz que é manso, mas não tolo. De tudo, resta saber que inícios e fins, felizmente abrigam aceitações, recomeços e alegria: “entre”

Um comentário:

  1. Professor como o planeta precisa de Homens com tanto bom senso como você . Você tem muito a nos ensinar ...Muito obrigado pelos textos postados aqui. Feliz ano novo pra você professor .Miguel

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