quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

CONTANDO A VIDA 61

Deu crise de podoloatria em nosso cronista hoje!



SAUDADE DOS PÉS...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Dia desses, sei lá por que razão, pensei na expressão “pé de anjo”. Achei graça, pois afinal, o que seria “pé de anjo”? Até onde consta, o que importa nos anjos são as asas e não os pés. Aliás, os pés são sempre detratados na cultura comum. Até onde me lembro, há apenas uma expressão carinhosa referente ao mais inferior dos membros do corpo humano: “pé de valsa”, que equivale a bom dançarino. No mais, vemos sempre ataques como o fez João Gilberto ao dizer que “quem não gosta de samba, bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou doente dos pés”.

Os hindus, com certeza, são os grandes responsáveis pelo preconceito contra os pés que para eles são das partes mais atacadas do corpo as. Expressões como “sola do sapato”, “poeira dos sapatos”, “chutar alguém”, “pisar os outros”, “meter as mãos pelos pés”, entre tantas outras, mostram o quanto a referência à cabeça ou às partes elevadas são desejáveis e enobrecidas. De modo geral, são as coisas “de cima” que interessam e que equivalem ao céu. O inferno fica sempre no oposto. Os pés, diga-se, viraram sinônimos de coisas baixas, que caem, análogos à decadência, ao contato com a terra. É verdade que há opiniões que visitam o contrário, como Machado de Assis que sutilmente sexualizava mãos e principalmente os pés femininos.

Dando vôo a esses devaneios, ative-me na lembrança de lendas e historinhas infantis em que o pé ganha significado mágico: “O gato de botas”, “Cinderela”, “O mágico de Oz”, são alguns dos exemplos que, contudo, se bem olhamos, têm exatamente a função de transformar o ruim, feio, exótico, em algo capaz de promover o acerto ou o progresso. Mas, há também perversidade nas lendas atentas aos pés: “Curupira” e “Saci” provam. Parece, de toda forma, que se necessita do fantástico para dar vazão ao significado mítico dos pés. E isso passa pela Grécia antiga onde mitos como Mercúrio e Fauno se valiam dos pés para ganhar velocidade ou voar.

Sei de gente que tem fetiche com os pés. Visto estranhamente como objeto de desejo, comunidades de pessoas frequentam páginas da internet à procura de parceiros que não desprezam os pés como atrativo sexual. E contemplado pela ótica comum, meias, fivelas, anéis de dedos inferiores, têm conotação específica e até motivam comércio. É preciso lembrar que existem até os que se excitam com o cheiro exalado. Na linha erótica, ainda temos que definir as razões que colocam a homossexualidade feminina próxima do detestável termo “sapatão”. Pensando nisso, fico imaginando a lógica das culturas orientais, principalmente da japonesa, que sacrifica as mulheres desde a infância, impondo ataduras que inibam o crescimento dos pés. E há a indústria de sapatos que alienando o debate sobre a função biológica dos pés, propõe a moda como combustível para fazer dinheiro. E que dizer das pessoas que colecionam sapatos? De quando em vez, a televisão ao promover visitas em casas de artistas e demais famosos, passa pelos guarda-roupas e se detém na variedade de “pisantes”. A fascinação por sapatos chega a tal ponto que certas celebridades têm a imagem colada aos tipos de sapatos que usam, e, neste quesito, nossa Carmem Miranda foi rainha.

Sob a perspectiva analítica, tirando a prática profissional de sua perfeita inscrição no mercado de trabalho, as manicuras são tipos especialíssimos. Aliás, sempre me pergunto por que são sempre mulheres que cuidam das unhas. Reconheço que homens se insinuam nesse novo quinhão profissional, mas nesses casos se apóiam no conceito de podófilos, categoria que lhes garante certa autonomia no gênero. Mesmo nos salões de corte de cabelo masculino, onde os serviços são mais refinados e oferecem trato às unhas, são as mulheres que prestam este serviço. Seria injusto não reconhecer que há uma exceção na promoção dos pés como símbolo de sucesso: as pegadas dos grandes jogadores de futebol nas entradas de certos estádios, mas isso também mercê consideração especial, na base da distinção excepcional.

Independentemente dessas divagações, há algo fascinante em pensar os pés como elemento biológico do corpo. Se a cultura tende a separar nosso contato estético com eles, quando nascemos estão perfeitamente integrados ao corpo e participam ativamente do processo de crescimento. É sempre das mais deliciosas lembranças as de recém nascidos que ainda no berço começam a pegar os pés com as mãos e brincam com os dedos inferiores como se fosse natural. São lindas as imagens dessas cenas. E isso me faz pensar na artificialidade do Homo Erectus, que saúda pouco o que o permite andar para frente.


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