terça-feira, 10 de maio de 2011

TELINHA QUENTE 17


Folhetim com Pós-Doc

Roberto Rillo Bíscaro

O início duma novela tem que ser acelerado e repleto de ação pra conquistar o público, que, mesmo de forma inconsciente, tende a resistir à mudança no cotidiano. Durante meses abrimos nossos lares pruma galeria de pessoas, que, mesmo ficcionais, dividem nosso dia a dia. Falamos sobre elas, vivemos seus dramas, compartilhamos suas emoções boas ou ruins, pensamos a seu respeito. Duro dizer adeus a seres com os quais nos acostumamos a encontrar diariamente. É como se a cada 5, 6 meses, experimentássemos a morte de amigos queridos e é sempre difícil seguir em frente e fazer novas amizades. Mesmo sabendo que esse processo é desconfortável, o repetimos sem cessar, numa espécie de masoquismo gostoso. Afinal, depois de um período de estranhamento, fazemos novos amigos de mentira e guardamos na lembrança os melhores momentos daqueles que se foram. Até sofrermos com a nova perda, inexorável.
Passo por esse processo no momento. Assisti duma enfiada só às 5 temporadas de Six Feet Under (no Brasil exibida com o título A Sete Palmos), exibida entre 2001 e 2005 pela HBO. Viciei e vi os cerca de 60 episódios sem intervalo. A família Fisher entrou pros meus pensamentos numa base de, por vezes, 6 episódios diários (nos fins de semana). Quem conhece o show sabe que a carga emocional é tremenda, por isso, está meio difícil me desvencilhar deles.

A trama gravita em torno duma família que possui uma funerária em Los Angeles, portanto, a morte, a frustração e o luto são temas que permeiam toda a série. Além disso, a loucura e as perversões de cada uma das personagens não facilitam as coisas. Six Feet Under é uma montanha-russa dramalhônica com diálogos instigantes e situações ambíguas, dolorasamente cínica às vezes, onde ninguém é herói ou vilão. Subjacente ao humor nervoso e negro, ruge um caudaloso rio de dor, que nasce e deságua no inevitável da morte, presente em todos os inícios de episódio e afetando os Fisher de modo avassalador.
Apesar dos elementos modernos como a inclusão de sonhos, mortos interagindo com os vivos e cenas que se passam – talvez – na imaginação das personagens (David Lynch, Tim Burton, hello!), Six Feet Under deve muito às novelonas megadramáticas das tardes norte-americanas. Quem testemunhou o pioneirismo maluquete de Twin Peaks - febre televisiva de início dos anos 90, idealizada pelo cult David Lynch – há de se lembrar que as personagens assistiam a uma soap vespertina chamada Invitation to Love. No fundo do coração, a série da HBO é um novelão com pós-doc.  

Todos os golpes deliciosamente baixos dos folhetins estão na receita, que envolve vícios, relações extraconjugais, taras e revelações bombásticas. Chega-se até a beirar o incesto, mas a narrativa recua na borda do precipício. Veio à mente, uma entrevista com Esther Shapiro, uma das criadoras de Dynasty, um dos shows definidores dos anos 80. Ela afirmou que a dieta de escândalos e perversões era elevada em calorias, mas eles paravam quando chegavam perto da barreira do incesto. Quem diria que Dynasty e a sofisticada Six Feet Under tinham tanto em comum, não? DALLAS cruzou essa barreira, ainda que inadvertidamente, mas isso fica pra postagem futura...             
Até alguns buraquinhos na trama, típicos de novelas, estão lá. Que fim levou a corporação que queria engolir a Fisher & Sons?
Embora as temporadas mais curtas (em média, 12 episódios) possibilitem um trabalho de texto e roteiro mais apurado, Six Feet Under não escapa de deslizes. A terceira temporada começa morosa e Lisa Fisher é um porre de chatice! Também, o perpétuo spleen de Claire irrita um bocadinho. Dava vontade de doar um bom tanque de roupa suja pra ela lavar e ocupar a cabeça. Acho que faltava serviço pra garota...
O mais grave, porém, é que em algum momento os roteiristas exageraram na quantidade de melodrama e perversões sexuais. A impressão é que a coisa toda não passava dum exercício pra chocar, sem que isso acrescentasse nada de novo ao que já sabíamos ou esperássemos. Quando a ninfomaníaca Brenda arruma um parceiro “convencional”, não demora pra que descubramos que ele gosta de ser humilhado durante a relação sexual. Se a idéia era celebrar a diversidade e afirmar que “de perto ninguém é normal” esqueceram que há pessoas que são perfeitamente felizes com o “papai e mamãe”.
O nível dos atores é excelente. Que diferença da canastrice das soaps! Difícil escolher um melhor, mas devo ficar com Frances Conroy, a Ruth Fisher, matriarca da família, minha personagem favorita. Por trás da aparência e da voz de mamãe boazinha, Conroy deu vida a uma mulher muito perturbada e reprimida em cenas memoráveis. Na verdade, as personagens femininas foram minhas preferidas, por isso destaco Rachel Griffiths, como a louquíssima Brenda. E não é que o pai da personagem foi interpretado por Robert Foxworth, o Chase Gioberti de Falcon Crest, que, com DALLAS e Dynasty fez parte da trindade de soaps noturnas dos anos 80? Logicamente, não poderia deixar de lado James Cromwell, que em um papel meio discreto nas temporadas finais, está ótimo no papel do segundo marido de Ruth, George Sibley, cuja sanidade vai se esvaindo até chegar ao tratamento de choque. Não disse que Six Feet Under é puro dramalhão?!
    

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