quarta-feira, 11 de maio de 2011

CONTANDO A VIDA 33

O Professor Sebe, nosso cronista de volta ao Brasil, esfumaça o texto de hoje com uma introdução sobre a relação da MPB e o consumo de drogas, especialmente a maconha. Colecionador e analista arguto de letras, conheço diversas análises elaboradas por ele sobre temas como a emigração brasileira para Nova York e a presença de Angola em nosso cancioneiro popular. Aposto que os leitores ficarão sequiosos por mais crônicas desse teor.  

FUMANDO A MPB

José Carlos Sebe Bom Meihy

A MPB é um universo fascinante àqueles que buscam mais do que o prazer imediato do consumo musical. Gosto de entrar nos bastidores da produção, nos enredos das letras, mergulhar nos detalhes das motivações e, sobretudo, nas polêmicas que forçam o debate social. E faço isto como um detetive amoroso que precisa saber das coisas para amar mais e melhor o objeto de seus desejos às vezes escusos.
Sou daqueles que bebem pouco, não fumam e sinto-me até constrangido por dizer que nunca experimentei drogas. Sutilmente, tenho sempre uma saída, uma frase feita, que me tira de situações incômodas: não obrigado, não tenho pequenos vícios. Mas, sei lá por que, sempre alimentei uma penetrante curiosidade nas relações entre nossa cultura e as chamadas “práticas ilícitas”. Quando musicados, temas como: jogo do bicho, amores escusos, aceitação passiva da corrupção, alcoolismo, me atraem sobremaneira. Nenhum, porém como as drogas e, entre elas, a maconha. Ao longo dos anos, por dever do ofício de historiador, comecei a colecionar algumas letras de música que evidenciam a grande contradição de nossa sociedade que condena o consumo de drogas, mas aceita e faz, musicalmente, apologia de seus enredos íntimos.
É possível que o samba “Cocaína”, assinado por Sinhô na década de 1920 seja o nosso mais remoto registro na área das drogas em geral. Muitos outros, porém sucederam e coube ao incrível Noel Rosa inscrever na malandragem a prática da maconha. Em seu “Quando o samba acabou” conta a história de dois malandros no Morro da Mangueira onde um deles, preterido pela cabrocha Rosina, “foi fumar na madrugada” e finalmente “foi encontrado na ribanceira estirado com um punhal no coração”. E com isto abria-se um diálogo importante entre o consumo da maconha e a música popular brasileira. A associação entre as drogas e a polícia, pode-se dizer, foi estabelecida na MPB por Wilson Batista no sucesso de “Chico Brito” imortalizado na voz de Dircinha Batista que colocou no rádio a legenda daquele homem que “fez do baralho seu maior esporte, no morro dizem que fuma uma erva do norte”, e, na mesma letra, pontificava o primeiro argumento de defesa do “fumo”, pois o “se o homem nasceu bom, e bom não se conservou, a culpa é da sociedade que o transformou”.
Havia também, é claro, forte influência dos movimentos internacionais dos anos de 1960. A onda de versões de músicas norte-americanas trouxe uma enxurrada de letras que, como “Poison Ivy” dos sempre famosos Rolling Stones, consagrou os Golden Boys na cantada até hoje “Erva Venenosa” - também retomada pela deliciosa Rita Lee. E tinha o Bob Marley, é claro.
Entre nós, contudo, a tradução mais legítima da luta pela divulgação do vício de fumar maconha pela música veio por Raul Seixas que, entre tantas letras, recomendava no “Metrô Linha 743” textualmente “vá fumar lá do outro lado, dois fumando junto pode ser muito arriscado”. E o rock brasileiro progrediu com o elogio ao “fumo”. Nesta trilha foram soltando fumaça um trem de gente como os grupos “Herva Doce”, “Trio Nordestino”, Baby e Pepeu Gomes até chegar em nossos dias ao “Planet Hemp”. Logicamente não dá para deixar fora os grupos “Barão Vermelho”, “Legião Urbana”, “Titãs”, “Paralamas do Sucesso” e seus desdobramentos mais expressivos: Cazuza, Frejat.
Mas, o samba também manteve sua tradição e autores e interpretes como Bezerra da Silva, Tim Maia, Chico Buarque de Holanda e os Novos Bahianos se compunham com outros tantos que se valeram da MPB para discutir a aprovação social da erva. Que o digam: Fernanda Abreu, Arnaldo Antunes, Gabriel o pensador, Marcelo D2.
De todos, porém, o que mais gosto é de Renato Russo que, depois de cantar a favor, soube também rever sua posição condenando o uso da maconha. Quem quiser prova que veja o incrível CD “Descobrindo o Brasil” de 1993.

Nenhum comentário:

Postar um comentário