quarta-feira, 4 de maio de 2011

CONTANDO A VIDA 33

Como muitos de minha geração, conheci  Celly Campelo por causa da novela global Estúpido Cupido. A trilha sonora nacional do folhetim de Mário Prata trazia 2 canções da roqueira.
Na crônica de hoje, nosso Professor relembra a colega de infância e dá um puxão de orelha em Taubaté, cidade natal de Celly.  

A DÍVIDA DE TAUBATÉ: Celly Campelo.

José Carlos Sebe Bom Meihy

A prata da casa está suja. Sim. Enquanto não pagarmos a dívida que temos com Celly Campelo estaremos, como diz o jargão economicista, “no vermelho”. Pode-se garantir que taubateanos de nascimento ou não, mesmo os filhos adotados como eu, quando se destacam são afetivamente acolhidos pela cidade. Somos famosos pelas celebrações e nunca faltaram rojões que nos distinguem das urbes vizinhas. Mas, com Celly Campelo tal não ocorreu. Justamente com ela que nasceu em Taubaté e deixou tantas lembranças entre companheiros. Isso sem falar do rastro luminoso no renovado céu da cultura musical brasileira.

Recordo-me vivamente da menina de sorriso pronto e que adorava cantar. Fiz primeira comunhão ao lado dela, mas a imagem que mais guardo da alegre colega é vestida de uniforme do Bom Conselho. São inesquecíveis suas aparições nos programas de calouros da Rádio Cacique ou com seu violão na mureta da praia do Cruzeiro, em Ubatuba. Lembro-me vivamente de um aniversário dela, comemorado em sua casa, na Praça Santa Terezinha. Não há como dissociar a figura da roqueira de sua mãe, sempre presente, acompanhando-a Brasil afora, receando o meio artístico. Seu irmão Tony também se destacava e, com ele, aos 15 anos, gravou o primeiro disco compacto, com as versões de Forgive me e Belo Rapaz. Corria o ano de 1958 e os dois irmãos entravam na cena nacional matizando a era das transformações que mudariam o Brasil, fazendo-nos menos caboclos e mais modernos. São desse ano outros sinais da alteração nacional: construção de Brasília, nascimento da Bossa Nova, primeiro fusca, Brasil campeão do mundo na Suécia, Eder Jofre, Maria Ester Bueno, Carolina Maria de Jesus.
A TV Tupi possuía um programa intitulado Campeões do Disco e graças ao sucesso já alcançado, Celly em aparições múltiplas gravou Devotion e O céu mudou de cor. Mais sucessos, fama, elogios da crítica. No ano seguinte, juntamente com o irmão comandava, pela TV Record Celly e Tony em hi-fi, programa de enorme audiência. Nessa trajetória, no mesmo 1959, Celly “estourou” com duas músicas The secret e principalmente Estúpido Cupido. Estava então firmada no céu dos grandes nomes da música popular brasileira com o título de seu primeiro LP Celly Campello: a nova sensação dos brotos. A consagração definitiva, porém, veio no mesmo ano quando, depois de contrato milionário com a TV Record, gravou o inesquecível Banho de Lua. Foi assim que Celly, menina ainda, tornou-se a nova “namoradinha do Brasil”. Não deixa de ser paradoxal que da terra da música sertaneja, do nicho caipira, saiu a primeira grande figura feminina do rock brasileiro. De certa forma, isso implicava nossa cidade, que, além da tradição, portava também os laivos de uma modernização que se expressava no progresso industrial que então se instalava. Isso é notável. Taubateanos devem retomar essa polaridade que, em síntese, explica o Brasil.

A vida artística de Celly pode ser medida pelos prêmios que ganhou: quatro vezes o Troféu Chico Viola; duas vezes o Roquete Pinto e uma vez o importantíssimo Disco de Ouro, mas, talvez, o maior mérito de Celly foi receber elogio pessoal de Tom Jobim que reconhecia na menina roqueira “a voz límpida e pura de quem canta com a alma”. E Celly deixou seguidores, entre os quais, principalmente, Rita Lee, que declarou que sem ela “eu não seria quem sou”. Foi a graça da taubateaninha que preparou o coração nacional para o sucesso do que seria depois a Jovem Guarda. Não foi sem razão, pois, que em 1961 ela foi eleita nossa primeira “Rainha do Rock”.

Foi por amor que Celly parou de cantar. Resolveu casar, ter família e filhos, largou tudo e foi para Curitiba, Paraná. Retornou ao sucesso em 1976, com a novela que levava o nome de sua canção mais difundida - Estúpido Cupido -, mas não deu sequência. Sabe-se que recusou contratos expressivos para voltar. Quando de sua morte prematura, Roberto Carlos disse que “sem ela a jovem guarda não seria a mesma”. Cá e lá, ouve-se alguma gravação daquela que um dia foi a Celinha de tantos colegas que mantém a saudade da amiga ausente. Mas, só isso. Fico pensando se não é chegada a hora de alguma manifestação mais vibrante, de ato público que mereça destaque real, de revitalizar o nome da taubateana ilustre. Que mais dizer?  

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