segunda-feira, 27 de agosto de 2018

CAIXA DE MÚSICA 329


Roberto Rillo Bíscaro

Deve ser sonho de muito músico ter a foto de seu CD segurada por Chico Buarque de Holanda, que ao mesmo tempo o recomenda em seu Istagram. O álbum Cabaça D’Água (2017) conseguiu tal distinção e deve ter enchido Alberto Salgado de merecido orgulho. Reconhecimento dos pares sempre envaidece, ainda mais quando vem dum monstro sagrado.
Há quase duas décadas na cena, Salgado começou na sua nativa Brasília e seu contato inicial com o mundo da música deu-se através da capoeira, daí o berimbau ser tempero frequente de sua modalidade de MPB. Multi-instrumentista, Salgado é músico, intérprete, compositor, arranjador e professor de violão.
Cabaça D’Água é seu segundo álbum e ao ouvi-lo entende-se a recomendação baurquiana: ótima instrumentação casada com letras inteligentes e poéticas. No tenso baião de Ói, onde as cordas são plena ansiedade, a letra recorre ao popular zóio e ói, corruptela de olha, pra logo depois usar o pronome correto na construção “pra eu viver”, conforme dita a norma culta. Poesia boa, que não descarta o popular, mas não precisa ser funcionalmente analfabeta pra isso. A latinidad de Oferenda tem até aquela predileção por proparoxítonas, como o Chico, de Construção. E o arretado xaxado de Pele Debaixo da Unha, expele  um puta que pariu. Palavrões são palavras, porque não usá-los em letras de boa MPB? Quem não solta nome feio quando caceta dedo do pé?
Cabaça D’Água não pretende passar sequinho pelo avesso pelo qual passa a nação. Na abertura afro, Da Jangada em Pleno Mar, o poeta canta que seu peito está como jangada em pleno mar, a mercê de ondas colossais, em meio às injustiças sociais. A solução é povoar o mundo de poesia. Inocente – criminosos nazistas gostavam de Goethe também – mas bonito. Utopia reinventada, como pede a letra.
A faixa-título é bem mais direta e muito sincrética. A letra é referência à tragédia ambiental de Mariana (alguém já foi punido?), inclusive com clipe sonoro de notícia de telejornal, numa faixa em que o berimbau convive com climão lúgubre de triphop.
Ainda há espaço pro afrojazz djavanesco Histórias do Vento; pra toada-oração campesina de Ave de Mim e pra fofura twee  de Força da Fé. Delícia como essa nova geração sempre incorpora alguma coisa indie pop pra estalar dedidnhos, em seus álbuns. Força da Fé tem voz de moça, assobio e rabeca, violoncelo ou algo parecido. Pra ouvir batendo palma ou de maria-chiquinha.
Unindo tradição musical e poética com laivos de modernidade, Alberto Salgado mereceu os prêmios que ganhou com o álbum.

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