sábado, 30 de março de 2013

DISCUTINDO LEITURA E DEFICIÊNCIA VISUAL

Deficiência visual: formas de leitura e acessibilidade à informação
Luciane Molina,

A prática do desenvolvimento de sistemas, produtos e serviços para serem utilizados com segurança e autonomia por pessoas com deficiência visual ou mobilidade reduzida constitui o conceito atual de acessibilidade. Essa condição deve, não apenas permitir que essas pessoas participem de atividades que incluam o uso de produtos, serviços e comunicação, mas também a inclusão e o uso destes por todas as parcelas presentes em uma determinada população, ou seja, é a possibilidade de qualquer pessoa usufruir de todos os benefícios da vida em sociedade.
Segundo o Decreto nº. 5.296 de 2 de dezembro de 2004, acessibilidade está relacionada em fornecer condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida. Ainda neste decreto, encontramos que esses impedimentos são denominados "barreiras", quando existir qualquer entrave ou obstáculo que limite ou empeça o acesso, a liberdade de movimento, a circulação com segurança e a possibilidade de as pessoas se comunicarem ou ter acesso à informação.
Dentre os dispositivos legais, temos ainda a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que ganhou status constitucional a partir da promulgação do decreto nº. 6949/2009 e, prevê também o direito à acessibilidade no sentido de promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.
Nesse sentido, a deficiência não é apenas entendida sob a perspectiva médica ou "da falta" de algo, precisando se adaptar para o convívio em sociedade. Hoje a deficiência é vista sob a ótica social, já que o que impede a plena participação são as barreiras encontradas na sociedade. Sendo assim, quanto menor for a barreira, quanto maior a possibilidade e a facilitação do acesso, menor será o impacto da deficiência na interação com o meio.
Deficiência visual
O termo cegueira não significa, necessariamente, total incapacidade para ver. Na verdade, sob cegueira poderemos encontrar pessoas com vários graus de visão residual. Engloba prejuízos dessa aptidão a níveis incapacitantes para o exercício de tarefas rotineiras (visão corrigida do melhor dos seus olhos permite enxergar há 6 metros o que uma pessoa de visão normal enxerga há 60 metros). Pedagogicamente, delimita-se como cego aquele que tem somente a percepção da luz ou que não têm nenhuma visão e precisa aprender através do método Braille e de meios de comunicação que não estejam relacionados com o uso da visão; e como possuidor de baixa visão aquele que lê tipos impressos ampliados ou com o auxílio de potentes recursos ópticos.

Segundo o Censo do IBGE 2000,da população brasileira (169 milhões de habitantes), 14,5% (24,5 milhões) são pessoas que têm deficiência (visual, motora, auditiva, mental, física). Desses, 48,1%, mais de 16 milhões de pessoas apresentam algum grau de deficiência visual no Brasil e, dentre elas, 159.824 se declararam incapazes de enxergar.
Considerando que o sistema visual recebe e interpreta, de forma instantânea e imediata, mais de 80% dos estímulos do ambiente, as pessoas com deficiência visual necessitam fazer uso dos demais sentidos para interagir com o mundo a sua volta e, por isso, precisam estar inseridas num ambiente estimulador, contar com a mediação e condições favoráveis para a exploração de seu referencial perceptivo. Isso não implica o desenvolvimento compensatório dos outros sentidos, levando à crença de que cegos têm uma maior audição ou possuem sexto-sentido.
Os sentidos têm as mesmas características e potencialidades para todas as pessoas. O fato é que para as pessoas com deficiência visual, o canal de informação não será visual, e o referencial perceptivo passará pelo desenvolvimento dos sentidos remanescentes, ou seja, elas recorrem às informações tátil, auditiva, sinestésica e olfativa com mais freqüência para guardar na memória os esquemas de que precisam para construir suas pistas e interagir com o mundo.
A ativação contínua desses sentidos faz com que o deficiente visual crie habilidades e desenvolva processos particulares de codificação que formam imagens mentais, que será ampliada conforme o grau e a pluralidade de experiências ao longo da vida. São as experiências significativas, contextualizadas, vividas e internalizadas pelo deficiente visual que formam a imagem mental de que ele necessita.
Sistema Braille
O Braille é um sistema de leitura tátil e escrita para pessoas com deficiência visual, inventado pelo francês Louis Braille (1809-52). Ainda jovem, quando freqüentava o Instituto de Cegos de Paris, ele adaptou um método de comunicação militar, desenvolvido por Charles Barbier, que utilizava um sistema fonético de pontos, traços e buracos e possibilitava a comunicação noturna entre oficiais do exército francês. Esse novo sistema, adaptado por L. Braille, passou a utilizar pontos em relevo, possibilitando o manuseio pelas pessoas cegas, tanto na escrita como na leitura. As dificuldades para a implementação deste sistema passou, sobretudo, por uma forte negação de que seria verdadeiramente eficiente para a comunicação, até o impedimento do uso desse código entre os alunos dessa instituição. O reconhecimento veio após sua morte e o sistema Braille começa a ganhar o mundo. O Brasil foi o primeiro país da América Latina a adotá-lo como forma oficial de escrita entre os cegos, em 1854, no Instituto Benjamin Constant - RJ.

O Sistema Braille é a representação do alfabeto convencional através de pontos em relevo, que o cego distingue por meio do tato. Utilizando seis pontos salientes, podem-se fazer 64 combinações que representam letras simples e acentuadas, pontuações, algarismos, sinais de matemática, e notas musicais. Os símbolos Braille são formados por unidades de espaço conhecidas como células ou celas. Uma célula Braille completa consiste de seis pontos dispostos em duas colunas paralelas contendo três pontos cada. A posição do ponto é identificada por números de um a seis, da esquerda para a direita e de cima para baixo.
Através do sistema Braille o deficiente visual vê suas possibilidades ampliadas, de acesso à informação e comunicação. O mundo passa a ter sentido e construir significados por meio daquilo que, até então, estava oculto pela falta de acesso. São múltiplas possibilidades de atribuir sentidos e construir imagens para representar o mundo que se amplia e se desvenda na ponta dos dedos. Ao tocar o papel sabe-se que aqueles pontos ganham um contorno próprio, que vão além das palavras para ganhar vida na imaginação do seu interlocutor.
Sendo assim, não basta apenas decodificar letras em palavras. O ensino do Braille demanda técnicas que vão desde a etapa da estimulação sensorial até o uso de equipamentos específicos para a produção dos pontos. Necessita ser acompanhado por um profissional especializado que, além das letras, lhe ensinará a criar significados e construir esquemas perceptivos peculiares a cada etapa do aprendizado do Braille. São habilidades motoras, táteis e imagéticas que compreendem o processo como um todo, garantindo futuras aquisições e qualidade de uso.
A acessibilidade à informação por meio do código Braille passa por um criterioso processo de adaptação do conteúdo. Isso porque converter uma informação impressa para uma informação tátil demanda conhecer as especificidades desse código, tais como:
1. Um conteúdo impresso quando transcrito para o Braille tem seu volume ampliado, ou seja, cada página em tinta pode resultar em até 5 páginas em Braille;
2. O custo alto da impressão, pois demanda o uso de equipamentos específicos, folhas com gramatura superior às convencionais e tempo de trabalho para adaptação;
3. Armazenar as obras e transportá-las é algo bastante complexo pelo grande volume dos materiais;
4. Inexistência de obras suficientes para toda demanda.

Além dos livros em Braille, o uso desse código seria muito útil em rótulos de produtos, medicamentos, bem como para outras identificações e sinalizações, em geral. A vantagem reside no fato do contato direto com as palavras, notando-as de sentido ao tocar. Permite conhecer a ortografia, estrutura gramatical e distribuição do texto no papel.
Como nem todos os deficientes visuais são usuários do sistema Braille, temos também outras ferramentas que garantem a acessibilidade à informação, como os livros falados e softwares de síntese de voz para computadores.
Livros falados
São obras que se propõe a ser uma versão falada do livro impresso, sendo um livro auxiliar do livro em Braille. O "ledor", pessoa que grava as obras lendo-as em voz alta, precisa ser fiel ao conteúdo, respeitando pontuação e fazendo pausas, se houver a necessidade da soletração. A leitura sem efeitos sonoros ou sonoplastia, parte do princípio de que o cego precisa construir sozinho o sentido do que está sendo lido, sem interferências externas. Tem como ponto forte a questão da facilidade de transporte e armazenamento dos livros, bem como a rápida produção. O ponto negativo reside no fato da impossibilidade da interação com a grafia das palavras, o que faz com que muitos deficientes visuais, usuários somente de livros falados, possuam dificuldades para a escrita, grafando as palavras com o mesmo som que ouvem.

Informática para cegos
Deficientes visuais talvez tenham sido os mais beneficiados pela tecnologia, em especial de computação. Hoje, com a ajuda de computadores, scanners, impressoras e outros equipamentos, um cego é capaz de “escrever e ser lido, e ler o que os outros escreveram". O uso do computador pelo deficiente visual tornou-se possível graças ao desenvolvimento de leitores de tela e sintetizadores de voz capazes de transmitir oralmente toda a informação visual disponível no monitor. Com o uso desses recursos de áudio essas pessoas podem desempenhar, desde tarefas mais simples até as mais complexas e, que exigem um maior conhecimento das funções de informática. A grande vantagem, porém, está na economia de tempo e de recursos financeiros como por exemplo: com o uso de um scanner podemos digitalizar livros para serem lidos através de um editor de texto com voz sintetizadas ou, utilizando uma impressora Braille, adaptar rapidamente a obra e imprimi-la para o uso imediato. Existem vários softwares gratuitos ou comercializados para o uso de deficientes visuais, bem como a possibilidade de configurações diversas quanto ao idioma, tonalidade de voz, entonação, velocidade de leitura e tipo de fala sintetizada. Encontra-se nesse grupo o Sistema Dosvox, com possibilidades de trabalho por meio do lúdico e jogos de interação.

Porém, somente os recursos tecnológicos se tornam insuficientes se não considerarmos requisitos básicos de acessibilidade web. Podemos citar como exemplo construções de sites seguindo as diretrizes da W3C. Se os requisitos de acessibilidade não estiverem disponíveis nos aplicativos e serviços, os leitores de tela esbarram nas barreiras comunicacionais e nos deixam no escuro.
O acesso à informação pelos computadores traz como ponto positivo a facilidade de juntar a audição do texto com a possibilidade de fazer-se a soletrarem, a verificação da grafia das palavras. Por meio dos softwares leitores de tela as pessoas cegas acessam de maneira completa os textos e a informação de maneira muito rápida e precisa, acompanhando a velocidade com que são produzidas e distribuídas na rede.

Luciane Molina é pedagoga. Deficiente visual, atua na capacitação de professores e ensino de recursos de acessibilidade à deficientes visuais. Palestrante e consultora sobre temas que envolvem inclusão, sistema Braille, informática adaptada, soroban e audiodescrição. Mantém um blog: www.braillu.com e desenvolve projetos voltados a inclusão escolar do deficiente visual. Para contato: braillu@uol.com.br.
http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=37364

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