sexta-feira, 19 de outubro de 2012

"SOU QUEM SOU"

Que termo usar para nos autoidentificarmos? Albino (a)? Pessoa com albinismo? Palavras são muito importantes no processo de construção identitária.
A norte-americana Brandi Green lida com a identidade de afro-descendente e a de pessoa albina. Traduzi texto onde ela relata como se sente em relação a termos como albina e pessoa com albinismo.  

“Não Me Chame de Albina” – Uma Aula Sobre Etiqueta do Albinismo
(Tradução: Roberto Rillo Bíscaro)

Sei que as pessoas querem me perguntar a respeito, quando me conhecem. Elas fazem rodeios, mas não conseguem evitar a curiosidade.
Quando me perguntam, “o que você é?” ou, “a qual grupo você pertence?”, respondo que sou negra e que tenho albinismo. Algumas vezes isso já basta, mas, na maioria das vezes, as pessoas continuam confusas.
Tento de novo: “Sou albina.” A maioria das pessoas só entende quando falo assim.
Elas respondem meio sem jeito: “ah, fui à escola com um albino”, ou “Eu achava que albinos tinham olhos vermelhos”. A essa altura, já me dou por contente que saibam pelo menos isso.”
A maioria das pessoas conhece a palavra albino, mas não sabem que a condição genética se chama albinismo, que é a falta de pigmentação no cabelo, pele e olhos..
Na minha infância, mamãe não gostava que ninguém me chamasse de albina. Ela corrigia a pessoa na hora, dizendo que eu tinha a pele clara. Mais tarde compreendi que ela tentava se enganar e que aquilo era um modo de tentar controlar uma situação sobre a qual ela não tinha nenhum controle.
Devido ao problema dela, internalizei o desdém pela palavra. Além do mais, quando me chamavam de albina, nunca era em um contexto legal. Sempre ouvia o termo de forma derrogatória. Tive que aturar um monte de gozações por causa de meu albinismo. Por isso, o uso dessa palavra me machucou por muitos anos.
Não tenho dúvidas de que a mídia desempenha papel de perpetuadora de crenças negativas sobre as pessoas com albinismo. Não existem muitas representações positivas de albinos na mídia. Geralmente, somos desviantes, místicos ou esquisitos.
O “albino mau” ou o “albino vilão” pode ser visto em filmes e na literatura. Essas imagens são poderosas porque reforçam o preconceito das pessoas contra nós
Não só as imagens são poderosas; palavras também. Suponho que essa tenha sido a razão pela qual tive uma fase em que insistia em ser chamada de “pessoa com albinismo”. Eu desejava colocar minha identidade de pessoa à frente de minha condição genética. Acreditava que a palavra “albino” era objetificante. Essa noção foi muito forte, até conhecer outras pessoas com albinismo, que se referiam a si mesmas como albinas, além de se chamarem assim umas as outras. 
No princípio, eu não entendia como elas podiam se rotular com uma palavra usada com tanta sacanagem. Mas, quando percebi o quão confortáveis consigo mesmas elas eram e com que facilidade falavam albino, conclui que era um ato de coragem.
Conforme me sentia mais à vontade com meu albinismo, também comecei a referir-me a mim mesma como albina. A palavra não me machucava mais, porque eu não dava mais esse poder a ela. Deixei de lado as lembranças doloridas e as conotações negativas do termo; me deu uma baita sensação de empoderamento.
O uso de albino versus pessoa com albinismo permanece controverso na comunidade do albinismo. Muitos não querem ser rotulados por uma palavra com tamanho potencial para causar dor. Eles também creem que ser objetificado pela condição é desumanizante. Outros fizeram as pazes com o termo e não se importam quando são chamados de albinos.  
Acredito que para a maioria das pessoas da comunidade faça diferença quem usa a palavra (outra pessoa com albinismo ou não) e em qual contexto é utilizada. Alguns podem levar numa boa se outra pessoa com albinismo os chamar de albino, mas sentirem desconforto se uma pessoa fora da comunidade usar essa palavra.
Hoje, uso tanto albino quanto pessoa com albinismo, ao me descrever. As pessoas vão me rotular como sentirem vontade. Acredito que haja poder em se autoidentificar. Sou albina.Sou uma pessoa com albinismo.Sou negra.Sou quem sou. Não importa do que você me chame.

O original em inglês pode ser acessado em:

2 comentários:

  1. Não me importo de ser chamada ou rotulada como "A albina". Nunca me importei, sofri com termos muito mais grosseiros do que esse para que isso me importasse de verdade.
    Como dito, tudo é a conotação a qual o termo é utilizado... Sim, algumas pessoas usam de ironia e deboche para utilizar o termo "albino", porém, a maior parte o usa até com medo de ofender, com receio de eu não gostar ou de, quem sabe, ser um termo incorreto.

    "Quando me perguntam, “o que você é?” ou, “a qual grupo você pertence?”, respondo que sou negra e que tenho albinismo."

    Isso para mim soa como uma doença. O termo albinismo poderia ser substituído por "Síndrome de down"; "Esquizofrenia"; "Câncer"... Acho que dessa forma sim fica pejorativo.

    Enfim, num todo o texto é bem interessante (:

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  2. Adorei este texto! Expressa muito do que se constrói e se destrói com o preconceito. Excelente, joga o politicamente correto falso, fora e assume especificidades com as quais toda diferença - cores, presenças ou ausências - merece ser tratada. Principalmente em uma sociedade que se diz democrática!

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