quinta-feira, 4 de outubro de 2012

TELONA QUENTE 59

Roberto Rillo Bíscaro

Você gosta de leves comédias românticas ou histórias de amor/amizade com final redentor? Se sim, evite Tiranossauro (2011). A estreia diretorial do ator britânico indie Paddy Considine mostra uma Inglaterra bem distante daquela vista mundialmente em julho.
Joseph, viúvo beberrão e desempregado, é compulsivamente agressivo; chuta e esmurra tudo, desde seu cão de estimação até jovens com aparência neo-nazi (o pobre animal não pôde revidar, mas os garotos eram tão irados quanto o valentão coroa, daí é imaginar o que sucede). Um dia, ele se refugia numa loja tipo daquelas de exército de salvação. A balconista Hannah ora por ele, que fica tocado, mas inicialmente a espezinha pela religião e pelo lugar onde vive, a parte rica da cidade.
Aos poucos, uma amizade nasce entre esse ateu pobre e amargo e a doce, simpática, carola e afluente Hannah. 2 pessoas tão diferentes... Até descobrirmos o inferno doméstico de violência, loucura e abuso infligidos – não de todo sem a aceitação de Hannah – pelo aparentemente dócil maridão classe média-alta. Algo como dizer que a violência impera em qualquer camada social e é generalizada.
Tyranosaur nunca se desvia de sua visão pessimista de mundo, onde um dos únicos atos de solidariedade – quando Hannah é ajudada por algumas moças – resulta num estupro. Distópico e literalmente cinzento.
O relacionamento de Joseph e Hannah é um jogo de espelhos trincados. O roteiro vai liberando informações que ajudam a montar um passado de violência doméstica de Joseph contra sua esposa. E claro que ele é o duplo pobre do marido da espancada, que usa a religião como forma de mentir pra si mesma sobre o horror de sua existência. Tiranossauro é estomacalmente honesto ao tratar desses temas.
A ausência de personagens boazinhas pode levar a críticas de que Considine é niilista ou algo que o valha. Entretanto, o diretor afirmou que apenas retratou o que viu, crescendo num conjunto residencial de baixa renda, embora negue que o filme seja autobiográfico. De todo modo, em Tyranosaur nem a angelical criança escapa das garras – ou melhor, dos dentes – do (auto)-ódio que corrói as personagens.
Peter Mullan (Joseph), Olivia Colman (Hannah) e Eddie Marsan (o doentio e repulsivo marido de Hannah) são o trio de atores diretamente responsável pelo soco no estômago que é Tyranosaur em termos interpretativos. Todo o elenco está bem, mas como a trinca aparece mais, destaca-se mais.
Tyranosaur é emocionalmente devastador e exige horrores da gente.Nem só de fofuras Jane Austen vive a Inglaterra; de vez em quando a gente tem que pôr os pés na lama também! (e casa pobre inglesa não é como as daqui, podem ver sem receio... sarcasmo mode on.)

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