quinta-feira, 18 de outubro de 2012

TELONA QUENTE 61

Tenho relido as tragédias gregas à medida que vejo as adaptações pra cine. Enquanto me emocionava com o sofrimento de Hécuba em As Troianas, pensava no desafio de sua transposição pra telona. Afinal, Eurípedes desenhou uma impotente ex-rainha que fala praticamente o tempo todo da destruição de sua família. Impossibilitada de agir, Hécuba vê e dialoga com a filha Cassandra, a nora Andrômaca, na iminência de serem enviadas á Grécia como escravas, depois da derrota troiana. Também desafia verbalmente a espartana Helena, pomo da discórdia entre Grécia e Tróia.
Mas, não é que a adaptação de Michael Cacoyannis (1971) é de arrepiar? Certo que requer platéia apreciadora de grandes interpretações e não viciada em ação constante, mas o tom meio ritualístico de parte da obra é inebriante.
Escrita numa era em que o palco era proibido às mulheres, As Troianas é um tesouro pra atrizes. E Cacoyannis reuniu a norte-americana Katherine Hepburn (Hécuba), a canadense Genevieve Bujold (Cassandra), a britânica Vanessa Redgrave (Andrômaca) e a grega Irene Papas (Helena). Esmerilhou, né?
Elenco multinacional pra falar dos efeitos da guerra sobre a parcela mais indefesa da população: mulheres e crianças. Em plena época do horror vietnamita e suas fotos de garotas correndo, queimadas por napalm. Eurípedes contemporâneo, mais de 2 dezenas de séculos após a encenação primeira de sua tragédia. 40 anos depois do filme, a obra continua pertinente..
As Troianas tem lugar ao redor da Tróia recém-derrotada. As mulheres esperam pra saber pra quais cidades gregas irão e serem escravizadas e/ou usadas como prostitutas. Aí estão Hécuba e o coro, mantido na filmagem e coreografado/vestido á perfeição. Perante a destronada, vai passando sua família, destruída. Laivo de esperança pode haver, na figura de Astianax, seu neto. Mas, a caixa pandórica de Eurípedes era vazia.
O século V antes da era cristã viu uma Atenas gloriosa e belicista. Quando As Troianas foi encenada pela primeira vez, a Guerra do Peloponeso encarniçava a península. Atenas lançava-se em campanhas militares contra outras ilhas, onde chacinava homens e escravizava mulheres e crianças. A cidade abundava em refugiados das cidades aliadas derrotadas por Esparta (Helena era espartana...). No mundo euripidiano, amaldiçoado por Poseidon e Atena, a catarse aristotélica provavelmente era atingida facilmente com essa espécie de vaticínio cênico. Lembram-se de qual cidade-estado ganhou a Guerra do Peloponeso?  
O filme abole a corajosa cena inicial onde a protetora de Atenas e o deus dos oceanos prometem castigar a cidade para concentrar-se no preço humano da estupidez bélica.
Para ver e guardar na cabeça que a argamassa dos arcos do triunfo é feita de sangue.  
O filme está completo no You Tube, legendado em português. 

Se você entende inglês ou lê grego, poderá ver o filme aqui:


Se você entende espanhol, pode ver a versão nesse idioma:

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