quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

TELONA QUENTE 16

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A Gagueira do Rei George

Roberto Rillo Bíscaro

Não sou do tipo que corre pra ver os filmes concorrentes ao ou ganhadores do Oscar. Se me interessam assisto, independente da indicação ou premiação. O Discurso do Rei (The King’s Speech, 2010) é um desses casos. Produção britânica com tema histórico, polvilhada com bons atores. Colin Firth merecidamente tem atraído a maioria dos comentários, mas o elenco de apoio é excelente. Deker Jacobi, Michael Gambon, Claire Blom e diversos rostos familiares para os fãs das produções da BBC. Sem contar com Geoffrey Rush e Helena Bonham Carter. Eu tinha que ver e o fiz noite passada.
A fatia da história de vida do Rei George IV (pai da atual rainha inglesa) escolhida pra ser levada ás telonas envolve a superação de sua gagueira através da ajuda de um fonoaudiólogo avant la lettre remixado com psicanalista. Professor Higgins encontra Paul Weston: Pygmalion In Treatment.
Como era de esperar o filme é redondinho. Cinema tradicional com roteiro bem amarrado, personagens tridimensionais, diálogos rápidos, pontuados por tiradas engraçadas e sarcásticas. Figurino e produção esmerados, bela música, com algumas peças do repertório clássico. Prato cheio tanto pra anglófilos e fãs de cinema mais “conservador”, como para detratores da monarquia e a turma vanguardista, que terão um Judas perfeito pra malhar.

O Discurso do Rei é uma história de superação de uma deficiência e, nos 2 quesitos é exemplar. George IV é uma personagem construída de modo a validar a moderna denominação “pessoa com”. Não é gago, é uma pessoa gaga, no sentido de que seu impedimento não é sua essência, mas sim parte duma personalidade multifacetada, atormentada por um grande complexo de inferioridade, assombrada pelo brutal condicionamento enfrentado pelos membros da Família Real. Canhoto, o Duque de York passou por doloroso treinamento pra se forçar a ser destro. Sua dificuldade para se comunicar é emoldurada no contexto de um meio social que esperava dele o perfeito cumprimento de suas responsabilidades constitucionais. Não se trata de um filme que provoca pena do gago, mas antes, mostra que Bertie é um ser humano, capaz de momentos tanto divertidos e simpáticos, quanto temperamentais e absolutamente antipáticos.
Essa pessoa com gagueira é mostrada em suas diferentes identidades e papeis sociais, através de seu relacionamento com as filhas, esposa, mãe, irmãos e membros do establishment. As cenas mais reveladoras, porém, acontecem durante suas sessões com o terapeuta Lionel Logue, que, para construir um George IV mais seguro necessita desconstruir algumas verdades acreditadas por seu “paciente”. As aspas foram usadas porque Bertie também é agente e igualmente modifica e influencia Lionel, que não é simplesmente quem “curará” um pobre e indefeso deficiente. Lionel é um profissional que trabalhará em parceria com a pessoa gaga para que esta supere seu problema. Sem paternalismo.
The King’s Speech deve trazer muitas lições e servir de lembrete pros que insistem em usar termos como “portador”, “sofrer de” e afins.

Um comentário:

  1. Também achei o filme espetacular. Estava procurando na internet resenhas e opiniões pessoais sobre este drama, mas encontrei pouca coisa escrita em português. Acho que ainda são poucas as pessoas que viram o filme aqui no Brasil.

    Os dois melhores textos que encontrei foram o seu e esta outra excelente resenha escrita por uma pessoa que gagueja.

    Depois de assistir, posso dizer que todos os elogios da crítica e as indicações ao Oscar são realmente merecidos. De todos os filmes que assisti na vida poucos foram tão inspiradores quanto este.

    Abraço,
    Marcelo Paiva

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