quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

CONTANDO A VIDA 18

Respeitado estudioso do fenômeno da emigração brasileira, nosso cronista José Carlos Sebe enlaça o tema ao futebol e produz um texto original e informativo.

FUTEBOL, NEGOCIOS, IMIGRAÇÃO...
José Carlos Sebe Bom Meihy


Poucos, bem poucos, prestam atenção a um fenômeno assustador: viramos exportadores de gente. Ficou lá atrás a era do “Brasil, país aberto aos estrangeiros”. Hoje, mesmo os latino-americanos que chegam são maltratados e sem reconhecimento, muitas vezes considerados intrusos e vistos como pessoas de terceira categoria. Injustiça. E quanto preconceito contra bolivianos, paraguaios e argentinos!... Mas, falemos dos que estão saindo em levas crescentes, na medida em que temos cerca de cinco milhões de pessoas fora do país. São cinco milhões de jovens fortes, em sua melhor fase produtiva e capacidade de trabalho. Pagamos o vexame de ver deportados nossos patrícios que sequer, em muitos casos, passam dos postos de imigração. Estados Unidos e Espanha ostentam dados aterrorizadores, humilhantes. Nas prisões norte-americanas temos cerca de 150 brasileiros aguardando ordem da polícia para voltar, sendo que a média de presos deportado por mês passou de 125 para 200 ao mês. Na Espanha, a média é de 20 e isto já por mais de um ano.

Nesse cenário de movimentação que atinge o mundo todo, uma linhagem específica de problema se abre: a exportação de craques de futebol. E são tantos. Justamente os melhores. Mas, em termos brasileiros, essa história é mais intrincada do que parece na superfície. Qualquer pessoa que viaja para fora do Brasil se depara com dois estereótipos pesados sobre nossa gente: em relação às mulheres paira uma fama suspeita que indica familiaridade com questões sexuais. Com certeza, muito dessa pecha é culpa de governos passados que sempre ostentavam cartazes turísticos mostrando moças pouco vestidas, com biquinis provocantes, mulatas semi-nuas. Em vista dos homens, a reputação é de bons jogadores de futebol, mas isso não é tão positivo assim. O tratamento biográfico dado à maioria – a grande exceção é Kaká – é que são sempre negros, filhos de famílias “desconstruídas” e moradores de lugares pobres, favelas e confins miseráveis. E quando vencedores, esses moços passam a ser celebrados como heróis que preferem o exterior.

Cabe lembrar que o Brasil foi um dos primeiros países a instituir o jogador de futebol como profissional. Desde 1933, a respeitabilidade profissional dos jogadores está garantida, ainda que outras profissões – os historiadores, por exemplo – até hoje não tem identidade profissional garantida. Avesso a este avanço, é interessante notar que a conquista firmada no contexto varguista foi se deteriorando a ponto de prender o jogador aos clubes como escravos modernos aos feitores. Para se ter uma idéia desse quadro, convém lembrar que desde 1976 a legislação esportiva presta atenção na linha de discussão desse fenômeno. É daquele ano, por exemplo, a lei 6.354, conhecida como “Lei do passe” que vinculava o jogador ao time, mesmo depois de vencido o contrato. Imaginemos que o jogador era “do time” e não tinha direito a nenhuma movimentação antes de completar 32 anos de idade e ser liberado pelo clube. Essa norma foi alterada em 1993 pela chamada “Lei Zico”, regulada sob o número 8.572, que punia a quebra unilateral de contrato e penalizava os clubes que deixassem de pagar os jogadores por algum motivo. Tudo ficou melhor em 1998, com a “Lei Pelé”, número 9.615 que extinguia o passe no futebol e dava direito ao jogador de decidir sobre o próprio destino em negociação com os clubes.

Além dos amparos legais, cabe considerar os números para que vejamos o tamanho do problema. E aí o choque é brutal. Considerando a Copa do Mundo de 1978, todos os 22 jogadores escalados estavam no Brasil; em 82, dois jogavam no exterior; em 86 idem, mas em 94 onze estavam fora; em 90 doze; em 98 eram quinze; em 2002 nove e finalmente em 2006 apenas três jogavam no Brasil. Sabe o que preocupa? Não é ver o reconhecimento profissional de nossos craques, mas sim, saber que eles apenas terão visibilidade se passarem pela experiência de serem exportados. E o que mais preocupa ainda é que o estilo de futebol que essas pessoas exercitam fora do Brasil pouco tem a ver com o jeito brasileiro de jogar. Mas, isso é outra conversa. Agora cabe registrar esta tragédia que se passa na “pátria com chuteira”.

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