quarta-feira, 24 de novembro de 2010

CONTANDO A VIDA 13

Graças ao Professor Sebe, hoje temos uma seção dois em um: crônica e culinária. Um nome alternativo pra esta postagem poderia ser: SEBE GOURMET


HOMEM NA COZINHA...
José Carlos Sebe Bom Meihy

Dia desses, me perdi em divagações. Entre uma leitura e outra, me pus a pensar em detalhes da vida. Sondei aspectos que poderia ter desenvolvido mais, territórios de meu convívio comigo mesmo que, talvez, merecessem detalhamentos. Foi fácil achar aspectos que pudessem ser aprimorados. Ainda que seja daqueles que insistem em dar “gracias a la vida”, acho que me faltou sensibilidade para perceber certas coisas. Entre as práticas boas da vida em que eu gostaria de ter me aprimorado, sem dúvida, a dedicação à cozinha é uma delas. Permitam-me dizer, antes de mais nada, que me considero exímio mestre Cuca. Na verdade, mesmo que não seja lá um chef desses de revista, gosto de pensar que sou e isso me autoriza até a dar receitas. Também de saída devo dizer que sou um inventor e como bom professor de história (sou?) incremento minhas receitas com lendas culturais que, certamente, impressionam meus convidados.
Revendo meu currículo culinário, vejo que houve eras em que era apenas modesto degustador. Aliás, tenho que reconhecer que, menino magrinho, eu detestava comida. Como meu mundo mudou! Minha mãe – como é comum à maioria das pessoas – podia ser considerada a melhor cozinheira do mundo. Lembro-me dela preparando pratos demorados, com requintes quase inimagináveis. Sei também que havia certa rebeldia dos filhos em ajudar e as tarefas de limpeza e preparo, no máximo, eram coisas das empregadas. Isso fez crescer em minha um pressuposto detestável e machista: cozinha é lugar de mulher. Sim, levei isso a sério e apenas tive que mudar meu modo de ser ao ficar viúvo, aos 49 anos, quando tive que dar conta de um cardápio capaz de manter os filhos em casa. Foi uma epopéia. Mas, aprendi. E bem (desculpem-me pela arrogância, mas ela faz parte do meu imaginário doméstico).
Logicamente, não sou bom em “arroz e feijão”, fritar batatinhas ou preparar as tais “coisinhas rápidas”. Nada. Gosto daquelas coisas complicadas tipo comida tailandesa, indiana, árabe. No mínimo (ou no máximo), preparo um risoto de frutos do mar com algas que surpreende. Também sou bom em marinados, desses em que se deixa a carne no vinho por dias. Há explicações para isso, diga-se: aprendi a cozinhar pela televisão. Ao me ver desafiado, tinha apenas as madrugadas para me educar na prática da “Dona Benta”, daquelas moças que mamaram receitas das próprias mães. No silêncio das madrugadas, anotava receitas e nos momentos especiais fazia meus quitutes que, nunca, mereciam elogios dos filhos. Consolava-me pensando: como concorrer com o bife com fritas da vovó, com os bolinhos de arroz das empregadas legendárias, como xuxuzinho com camarão da tia tal? Mas não ligava muito. Ia em frente e desviava minha atenção dos parentes para os amigos. Estes sim, as visitas eram minhas vítimas preferidas, cobaias perfeitas. E como eu caprichava nas histórias das receitas. Era tanto exagero que eles não tinham como apreciar iguarias que teriam sido servidas em bodas orientais, em festas parisienses, vitórias de subversivos revolucionários, ou palácios da China. E assim eu podia me olhar no espelho culinário e perguntar: existe no universo, cozinheiro melhor que eu? Acho que era rápido, fazia a pergunta e fugia imediatamente antes que o espelho respondesse. De todo jeito, assim fui me fazendo cozinheiro e quebrando com enorme prazer o jargão coletivo que preza a cozinha como lugar de mulher.
Não seria justo terminar esta reflexão sem dar uma receita. Falei de pratos difíceis, mas optei por uma invenção minha que já foi testada em diferentes quadrantes e que teve sempre a aprovação geral. Trata-se de uma salada que até meus filhos gostam. Não bastaria dizer que as noras também, pois elas são suspeitas. Esta salada tem nomes mutáveis (depende sempre da estirpe do convidado e pode ser “mistic salad” ou “salada tropical”). Quando os comensais são gentis e pedem a receita, costumo assinar o prato como “JC’s salad”. Vejamos:
Ingredientes: manga, abacaxi, tomate, rúcula e alface crespa.
Modo de preparo: corte a manga e o abacaxi em cubos (separe cada um em seu recipiente e mantenha-os gelados); lave bem as folhas e tire o caule (separe em recipientes e mantenha-os também gelados). Corte o tomate em pedaços irregulares e deixe-os repousando por meia hora com sal (a vontade) um pouco de óleo virgem. É fundamental que o tomate seja temperado antes e que solte tanto as sementes como o líquido que devem ser desprezados. Na hora de servir junte tudo, e – isto é fundamental – não deixe de contar uma história fantástica sobre a tal salada, mesmo que seja a história desta receita passada via Contato. Quem servir entenderá o que quero dizer e se gostar, com certeza repetirá o título desta crônica “viva os homens na cozinha”. Bom apetite.

(Já que o professor afirmou que é do tipo que “dá gracias a la vida”, eu não podia ter escolhido outra canção, não acham?)

Nenhum comentário:

Postar um comentário