quinta-feira, 28 de julho de 2016

TELONA QUENTE 169

Roberto Rillo Bíscaro

Enquanto (re)lia David Copperfield, assisti a quantas adaptações pude, a fim de elaborar um dossiê, como fizera com Um Conto de Natal. Embora só tenha conseguido uma pra cine, resolvi colocar no marcador Telona Quente, porque o de TV já tem fila longa esperando postagem, então, sejamos práticos, porque no fundo o que conta é o conteúdo.
Ordenei os filmes por ordem cronológica, não na assistida e também não clamo que a lista seja completa; vi o que consegui achar. No Youtube tem até minissérie italiana dos anos 60 relendo a história, então devo ter passado batida alguma releitura.

A versão norte-americana, de 1935, produzida por David O. Selznick (d’E O Vento Levou) e dirigida por George Cukor, tem o pedigree e aspecto vintage exigidos por certos cinéfilos. Além dos históricos nomes citados, o elenco contou com W. C. Fields, Lionel Barrymore e Maureen O’Sullivan. Essa galeria certamente rejubila a galera do “antigamente é que se fazia filme bom”. À primeira vista, a adaptação mostra profundo respeito com o livro, usando trechos e até fazendo a narrativa fílmica nascer a partir da primeira página do romance, o que na verdade era muito comum numa época em que o cinema ainda era visto como inferior à literatura. Mas, pra quem jamais lerá o texto dickensiano, essa película aleija a trama, como mudar o local onde David e Dora se conhecem. Não que eu meça a qualidade duma adaptação a partir duma vulgar noção de “fidelidade aos fatos”, mas pra conhecer a essência do romance, fica a desejar. Outro desabono é a melodramaticidade das atuações, mas isso não é deslize: há 80 anos os gostos tinham que ser distintos. Sabendo disso, se jogue, é muito legal ver filme bom em branco e preto, atentar para convenções caídas em desuso, imaginar soluções cênicas pruma época tão mais difícil do que filmar do que agora. Ah, e aquelas trilhas-sonoras que amo de paixão!


Em 1969, coprodução anglo-americana pra TV trouxe um David Copperfield atormentado numa praia relembrando seu passado. A melhor coisa dessa versão é a linda canção de abertura, porque o filme é episódico demais, parece não haver unidade e isso dificulta empatia. Interessante o roteiro parear Dora Spenlow com Clara Copperfield, explicitando todo o edipianismo do primeiro casamento de David. Ao adicionar Steerforth à lista de admirações errôneas por parte do protagonista, privilegia-se a fortaleza acima de tudo, num momento spenceriano meio de arrepiar. Pra quem curte a nata tespiana britânica da estirpe dos Richardsons e Redgraves, com Laurence Olivier e Richard Attemborough no tempero, essa adaptação é prato cheio, ainda que de vez em quando eles esqueçam que o veículo é a telinha e estejam grandes demais.


Uma das lembranças do final dos 80’s ou início dos 90’s é assistir às adaptações das obras de Dickens, em desenho animado, pela paulista TV Cultura, nas noites de domingo (acho). O traço, trilha sonora e a dublagem tornavam-nas bastante lúgubres. Nesse vasculhar, descobri que se tratam de animações da Burbank Films Australia, que entre 82 e 89 animou diversos clássicos, exibidos em TVs ao redor do globo ou lançados diretamente em vídeo. David Copperfield é de 1983 e desta vez vi em inglês. Não bastasse a melancolia inerente à produção, some a velhice e baixa qualidade de som e imagem e tudo fica mais tristonho ainda, mas mesmo assim – ou por isso mesmo – gostei bastante. Essas animações são bastante adultas, não há muitas concessões infantilizantes por ser desenho. Por isso, não entendo porque edulcoraram a fuga de David a Dover. Ao invés de mostrar o que o menino sofreu caminhando mais de 70 milhas, fizeram-no pegar carona numa carroça de feno, onde dormiu tranquilamente. Não tem como – nem porquê – enfiar todo o livro nas adaptações, então pra quem não quer ler, o ideal seria pegar umas 2 ou 3 mais fidedignas e ir completando lacunas. Esta animação seria uma das escolhidas, porque mostra até o marido de Betsy Trotwood, embora não entenda a razão, se não acrescenta nada ao roteiro. 


Em 1993, outra abordagem em animação feita pela ianque NBC pra exibir no Natal. Depois o musical infelizmente ganhou o mundo via DVD. Nada contra usar elementos duma história pra desenvolver outra, mas este desenho chama-se David Copperfield sem contar sua trajetória, apenas pega David e algumas personagens e torna a história a luta entre ele e Mr. Murdstone como dono déspota duma fábrica. As personagens são animais, tipo Agnes é uma gatinha; acho que os relacionados a Copperfield são. Nem sei, porque é tão ruim que desisti, mas antes ficara muito no celular apenas ouvindo. Além disso, trata-se dum musical com vozes de segundo/terceiro escalão (já pra época) como Sheena Easton e Julian Lennon e canções péssimas. Não recomendaria nem pra quem não gosto.
Pra quem quer a trama mais detalhada, com atuações mais modernas (e ótimas) e, de quebra, ver onde Daniel Radcliffe começou, a pedida é a adaptação em 2 partes da BBC, de 1999. O futuro Harry Potter faz o sofredor Copperfield mirim, junto com elenco que inclui Maggie Smith e o finado Bob Hoskins, como Mr. Micawber. Sempre amei Hoskins, mas prefiro o Micawber de W. C. Fields. Curioso como às vésperas do fim do mundo causado pelo bug do milênio, o roteiro dourou muito a pílula sobre o alcoolismo de Mr. Wickfield. Por isso sou fã de soap, já em 1978 Sue Ellen Ewing rolava a escada grávida e bêbada! Decerto maneiraram, porque era Natal. Com tanto tempo diegético não podiam ter introduzido Mrs Gummidge propriamente? Ela aparece em 1 ou 2 cenas, assim, do nada. Na versão de 1935, é introduzida, ao passo que coisas bem mais importantes, não.

Em 2000, versão pra TV coproduzida por EUA e Irlanda foi ao ar pelo canal TNT, em dezembro. No hemisfério norte, Natal combina com Dickens. São quase 3 horas, que não tomam grandes liberdades com o livro, a não ser numa vingança que Copperfield enceta sobre Mr. Murdstone, que não existe no romance e, na verdade, reposiciona toda a narrativa autobiográfica. É como se Copperfield tivesse escrito sua história como vingança ou purgação de Mr. Murdstone e sabemos que é mais do que isso. Se não existisse a versão da BBC eu até recomendaria, mas não dá pra comparar Dame Maggie Smith com Sally Field, faça-me o favor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário