quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

CONTANDO A VIDA 136

Nosso historiador-cronista além de estudioso do Carnaval é também louquinho por um sacolejo de samba. Mas, sendo do interior, está feliz e torcendo pelas escolas de samba carioca que optaram por temas sertanejos este ano. Olha o Professor Sebe aí, gente!

CARNAVAL CAIPIRA: SINAL DOS TEMPOS?

José Carlos Sebe Bom Meihy

Neste ano, o carnaval vem logo. Dia 10 de fevereiro estaremos entrando na Quaresma. É bom por um lado, pois como dizem, o ano começará mais cedo, mas, na outra ponta resta o tal “desengano”. Na realidade, todos queremos paz e harmonia, mesmo tendo certeza de que será uma quadra difícil e de muitos ajustes. Que o medo não apague as esperanças. É preciso manter o fervor ativo, pois como diz a poetisa mineira Adélia Prado, “até para cortar a unha é preciso ter fé”. Fiz um balanço nos sambas-enredos deste ano a fim de pôr meu tino sociológico para funcionar. Fiquei surpreso com o resultado, pois no fundo preside um ar de festa e novidade. Tendei alinhavar alguma lógica nos temas e acho que consegui algum resultado.
Achei relevante destacar dois sambas que trazem inovações temáticas. Imaginem que contra a tendência urbana do tríduo momístico, este ano duas escolas celebram o mundo caipira. Até então, falar do interior era uma espécie de avesso da celebração, sempre atenta à exaltação de feitos modernos, assuntos da moda ou da crítica citadina. Para falar do campo e da agricultura, a Unidos da Tijuca apresentará “Semeando sorriso, a Tijuca festeja o solo sagrado”. O refrão é forte e em compasso de samba ligeiro diz “Sou matuto sonhador em louvação/ lá no meu interior, a viola dá o tom/ vendo o campo colorido/ cai a noite a me envolver/ vou rogando ao Pai querido/ pra colheita florescer”. E os demais versos exaltam o trabalho do agricultor dizendo “vou levantando a poeira da terra/ que aterra a magia do grão/ fertilidade é a arte do homem que cuida/ protege seu chão”. Na mesma senda, a Imperatriz Leopoldinense surpreende com o enredo “É o amor... que mexe com a minha cabeça e me deixa assim: Do sonho de um caipira nascem os filhos do Brasil, uma homenagem aos dois filhos de Francisco”, sobre Zezé Di Camargo e Luciano. A letra se abre anunciando as belezas do cerrado goiano “Sagrada lida, vida sertaneja/ guardo as lembranças lá do meu torrão/ o galo canta anuncia novo dia/ abre a porteira do meu coração/ minhas andanças marejadas de saudade/ semeiam sonhos”. Ainda mais surpreendente, porém é o final “Chora cavaco, ponteia viola/ pega a sanfona, meu irmão, chegou a hora/ sou brasileiro, caipira Pirapora”. Numa síntese bem resolvida, numa espécie de rapsódia, a letra transforma o sertanejo localizado em Goiás em um ente brasileiro onde o ponteio da viola “abrasileira” a todos, nos declarando à Renato Teixeira “caipira Pirapora”. E não há como não se emocionar, posto que as duas propostas não se valem da caricatura do chamado “homem do campo”. Pelo reverso, trata de dignifica-lo num suposto elevado. E que dizer da concorrência proposta em relação às festas juninas?! O caipira no carnaval, exatamente na Marquês de Sapucaí, exibe, em dose dupla, a tendência respeitosa ao trabalhador rural. As fantasias certamente irão promover o trabalho na terra, indo além da folclorização barata e gasta.

Há algo mais a dizer, pois o carnaval de rua deste ano, no Rio de Janeiro, inscreve o tema rural em um mosaico bem completo, promovendo contrastes, fazendo-o se compor com eternos temas como a malandragem (Salgueiro “A ópera dos malandros”); com a repetida badalação do nordeste (Vila Isabel “Memórias de Pai Arraia. Um sonho pernambucano, um legado brasileiro”). Certamente Paulo Barros vai no surpreender nos efeitos de “No voo da águia uma viagem sem fim...”, mas ao falar de viagens, desde a mitologia, os arroubos inovadores não estão no tema. Evocação literária não pode faltar e neste ano teremos a Mocidade Independente de Padre Miguel fazendo aproximações “O Brasil de La Mancha: sou Miguel, Padre Miguel, sou Quixote Cavaleiro, Pixote brasileiro”. A sempre rica Beija-flor exibirá a história do mineiro “Marques de Sapucai” e a São Clemente “mais de mil palhaços no salão”. A Mangueira exaltando Maria Bethânia e a Grande Rio falando de Santos completam a lista. Não sou de apostas, mas se depender da torcida a premiação será caipira... Caipira Pirapora.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário