terça-feira, 3 de novembro de 2015

TELINHA QUENTE 184

Roberto Rillo Bíscaro

O canal TV Land era famoso por exibir séries antigas, tipo Batman e Jeannie É Um Gênio, até que em 2010 começou a produzir a sitcom Hot in Cleveland, que no Brasil parece ter o título No Calor de Cleveland (que não dá a ideia exata do título, BTW), Não deve ter sido surpresa que o primeiro produto do canal especializado em vintage tenha sido uma atualização das clássicas Super Gatas oitentistas. Vi os 128 episódios (mais os especiais), divididos em 6 temporadas dessa delícia que terminou dia 3 de junho, ainda com boas histórias e sem a sensação de show decadente. HIC parou quando estava no topo do jogo, talvez pudesse ter ido uma temporada mais. Nesse ponto ganha de The Golden Girls, cuja temporada derradeira despencou em qualidade. No geral, porém, as senhoras de Miami têm a vantagem da originalidade.
3 amigas estão voando a Paris pra cumprir uma das indicações do livro de Melanie Moretti, que listava coisas a fazer antes de morrer (ou algo assim). As senhoras de meia-idade altamente preocupadas com botox e dietas e cronicamente mentirosas no tangente à idade, passam grande susto quando uma pane faz o piloto pousar em Cleveland, cidade de terceiro escalão no contexto ianque. Passadas pra Los Angeles obcecada com magreza e juventude, as 3 ficam surpresas, lisonjeadas e morrendo de T, quando se percebem cobiçadas na urbe interiorana, onde homens e mulheres podem ser obesos e calvos e não ligam tanto pra caras e corpos plastificados. Como as carreiras em LA também estavam em decadência, decidem ficar em Ohio, afinal, é melhor ser realeza lá do que ninguém na ensolarada Califórnia. Daí o título: elas é que são “quentes” e não a fria Cleveland. Alugam casa enorme e passam a viver juntas, numa premissa tão improvável quanto a das Supergatas – imagine se daria certo um bando de tias narcisistas coabitando.
Elas são Melanie Moretti, que faz a linha ingênua; não é Rose Nyland, mas é a versão com PHD da loira de Saint Olaf. Joy Scroggs, expatriada britânica que vai pra cama com meio mundo; uma Blanche Devereaux com sotaque diferente. E Victoria Chase, egocêntrica atriz de soap vespertina, cuja carreira está em decadência; em termos de voz grave, a Bea Arthur do conjunto. I have a major announcement: La Chase e a atriz Wendie Mallick são minhas favoritas absolutas. Ainda mais que a personagem se envolve sentimentalmente com Sir Emmett Lawson, interpretado pelo neo-zelandês Alan Dale, que também adoro. Pena que não o aproveitaram na conclusão do enredo. Como o fim de HIC foi planejado, os roteiristas tiveram como armar final feliz pra todo mundo (não é spoiler; alguém acha que alguma delas morreria no fim?).
As Golden Girls eram 4 e uma delas uma velhotinha de língua ferina, Sofia Petrillo. Então, toca pôr uma personagem assim como administradora do sobrado. E se a velhinha for ninguém mais, ninguém menos do que uma das Super Gatas, a única viva, a nonagenária Betty White? Pois ela completa o quarteto, como Elka Ostrovsky, polonesa fugida do nazismo, chegada numa vodka e em causar entre os caras do centro pra pessoas idosas (mas não só eles). A lasciva e venenosa Sue Ann Nivens, de Mary Tyler Moore encontrou Rose Nyland (ambas vividas por White) combinada com Petrillo e garantiu outra interpretação/personagem arrasa-quarteirão pra venerável Betty, sem dúvida, o mais precioso tesouro vivo da TV mundial. Alguém pode disputar a importância dessa mulher?
4 mulheres maduras sexualmente ativas tentando provar que superficialidade pode ser profunda, muitas confusões, humor autodepreciativo, constantes duplo-sentidos, atrizes conhecidas de outras séries de sucesso, música-tema com papapapa (pra mim isso conta!), muita alegria e simpatia só resultariam em sucesso e HIC teve-o merecidamente. Um deleite de sitcom, que sabia não poder se apoiar em linguagem inovadora ou tema inédito. Tudo fora testado por outras séries; HIC investiu no carisma do elenco e das situações algo insanas e, até com uma pitada de nonsense de humor britânico às vezes, conquistou corações e fãs devotos. Eu incluso.
Sei lá se pelo calibre do elenco, mas HIC foi coalhada de participações especiais, especialmente de astros vintage, como Carol Burnett e Robert Wagner, o Jonathan Hart, de Casal 20. Astros antigos e atores canadenses, britânicos, australianos. Será a fama vintage da TV Land ou por que ambas as categorias são mais baratas de contratar? Cinismo do resenhista à parte, TVmaníacos terão frêmitos de prazer caçando as participações ao longo da mais de centena de episódios.
O oitentista Huey Lewis como roqueiro velhusco que não aguenta mais a vida de sexo, drogas e rock. Wayne Knight, o Don Orville de 3rd Rock From the Sun, novamente vivendo um cara que tem um caso com uma mulher bonita demais pra ele. Incrível, parece que o tempo não passou pro gordinho! Dan Lauria, o pai do Kevin Arnold, de Anos Incríveis.
Chamou-me atenção que Mark Indelicato, Michael Urie (o Justin e o Mark, de Ugly Betty) e Jesse Tyler Ferguson (o Mitchell de Modern Family) tenham sido escalados pra personagens gays, como em suas séries de origem. Estariam tipificados? Se sim, cadê a tão decantada modernidade da TV ianque?
Em meio a tantas aparições de famosos de outrora, o episódio que reuniu todo o elenco feminino de Mary Tyler Moore foi arrepiante, com direito a miado no final e tudo. Quando Ed Asner aparecera bem mais discretamente, já vibrara, imagine ver Mary, Rhoda, Phylis, Georgette e Sue Ann ao redor da mesma mesa. HIC era gravado em frente a uma plateia; conta-se que o diretor de cena teve que pedir que parassem de aplaudir. Eu abriria o bocão! Dos vivos só faltou Gavin MacLeod. Sem Mary Tyler Moore HIC não teria sido possível; sem MTM a sitcom contemporânea não existiria, simples assim.
Além do prazer e da graça intrínsecos dos episódios, a miríade de referências a outros shows, atuais e antigos faz de HIC um prazer de ver. Quando Joy e Elka mencionam um lugar chamado Shady Pines, fãs das Golden Girls já lembram do asilo do qual Sofia fugira. E os impagáveis episódios onde maneirismos de House of Cards e Scandal foram parodiados? A posuda Downton Abbey fez mesmo sucesso em terras do Tio Sam, mesmo exibido pelas públicas PBSs. A série inglesa é mencionada várias vezes e até Lesley Nicol – a Mrs. Patmore! – aparece num episódio de Natal.
Para as pessoas com albinismo cumpre destacar que na sexta temporada um episódio apresentou o filho de Joy saindo com uma albina sem que isso parecesse de outro mundo. Claro que um par de piadas foi feita, mas nada ofensivo. Pena que a atriz não era albina, tava pintada, daí não fica legal.
HIC não entrará pro rol de clássicos televisivos, mas tem fôlego pra ser reprisado por décadas. Certamente, a TV Land se incumbirá disso; não deixe de ver.

Nenhum comentário:

Postar um comentário