quarta-feira, 3 de março de 2010

ALGUÉM QUE SAIBA OUVIR

Às vezes, basta alguém que saiba ouvir

Deficiente visual diz que, mais do que adaptações físicas, os cegos precisam de alguém que os guie para se localizar
Lucas de Abreu Maia

Feche os olhos e imagine que você é cego e tem um cão-guia. Agora, imagine que você entrou em um shopping onde nunca esteve. Traga à memória o pé-direito alto, a música irritante que sempre toca nos corredores dos shoppings e o eco das muitas conversas. Você se sentiria perdido, certo? Com alguma frequência me sinto assim.
É muito difícil para uma pessoa cega localizar-se em um espaço fechado e ruidoso como um shopping center. Dou vivas para a tentativa de torná-los mais acessíveis, desde que se entenda que pessoas com diferentes deficiências têm necessidades diversas. Para um cadeirante, banheiros acessíveis, elevadores e rampas são fundamentais. Cegos, contudo, precisam sobretudo de alguém que lhes indique o caminho.
Nós, os cegos, e tratarei especificamente das necessidades de quem não enxerga, porque é disso que entendo, não lemos as placas de sinalização, os nomes de lojas ou os anúncios luminosos. Não vemos a entrada do banheiro e, se não soubermos por onde vamos, podemos, de repente, cair escada abaixo. É por isso que, muito mais do que instalações físicas, precisamos de pessoas preparadas para nos receber.
Não sei quantas vezes cheguei a um shopping center da cidade e fiquei parado no corredor, sozinho, esperando que alguém me oferecesse ajuda. Só queria saber como chegar à loja X ou ao restaurante Y, informações que qualquer funcionário com um mínimo conhecimento do lugar poderia me dar em menos de um minuto. Foram poucas as vezes, contudo, que recebi a assistência do modo correto. O mais provável é que eu espere indefinidamente até que alguém, com a melhor das intenções e a pior das atitudes, me puxe pelo braço e me arraste, sem sequer perguntar para onde quero ir.
Cheguei em São Paulo em setembro do ano passado e me impressionei com o cuidado da cidade com os deficientes. O chão tátil na Paulista e nas estações de metrô me ajudou quando ainda tentava encontrar meu caminho por aqui. Sou grato a São Paulo simplesmente por levantar a bandeira da acessibilidade. Mas sinto falta, às vezes, de alguém que saiba me ouvir e me ajudar corretamente.

(Encontrado em http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=28100)
(Vamos ouvir Arnaldo Antunes?)

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