quarta-feira, 25 de maio de 2016

CONTANDO A VIDA 147

Nosso historiador-cronista praticamente desenha a importância de se ter um ministério que trate especificamente das questões culturais. E de quebra usa canções brasileiras como exemplo da relação cultura/fome. 

CULTURA MUSICAL, DESENVOLVIMENTO E PROGRESSO ECONÔMICO.

José Carlos Sebe Bom Meihy
Engraçado como algumas “antigas” canções não envelhecem nunca. Em 1987, os Titãs Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sergio Brito, por exemplo, se juntaram para lançar um clássico que bem poderia ser listado como “canção de protesto”, manifestação típica da década dos ditadores. Antes, vale afirmar que algumas dessas músicas “velhas”, pelo contrário, ganham força e, como que renascidas, se aplicam a diferentes contextos. Nesta linha, uma composição memorável, intitulada “Comida”, se ajusta aos dias de hoje como se fora escrita ontem à noite. Vejamos a letra “Bebida é água!/ Comida é pasto!/ Você tem sede de quê?/ Você tem fome de quê?/ A gente não quer só comida/ A gente quer comida, diversão e arte/ A gente não quer só comida/ A gente quer saída para qualquer parte/ A gente não quer só comida/ A gente quer bebida, diversão, balé/ A gente não quer só comida/ A gente quer a vida como a vida quer/ Bebida é água!/ Comida é pasto!/ Você tem sede de quê?/ Você tem fome de quê?/ A gente não quer só comer/ A gente quer comer e quer fazer amor/ A gente não quer só comer/ A gente quer prazer pra aliviar a dor/ A gente não quer só dinheiro/ A gente quer dinheiro e felicidade/ A gente não quer só dinheiro/ A gente quer inteiro e não pela metade/ Bebida é água!/ Comida é pasto!/ Você tem sede de quê?/ Você tem fome de quê?/ A gente não quer só comida/ A gente quer comida, diversão e arte”.
É verdade que a chave que definia o conjunto Titãs era a do Rock Brasileiro, mas o teor reivindicativo dessa letra mostra a relação complementar entre superação da fome e cultura, fatos inerentes à da condição social, humana. Vendo agora a absurda atitude do presidente interino em submeter a questão cultural ao Ministério da Educação, cabe recordar o que está registrado no nosso cancioneiro e que vale como lição.

É erro crasso pensar que abolindo responsabilidades culturais do estado, vamos ter sucesso econômico. Pior ainda pensar que verbas da cultura podem ser reduzidas em favor do desenvolvimento econômico como se um dependesse do outro. Ambos estão intimamente ligados e debilitado um, o outro gera deformações e dependências de outras soluções culturais, estrangeiras. Tudo cresce junto e em harmonia. O patrimônio histórico, os bens materiais ou não, as tradições são prioridades identitárias tão importantes como o bom resultado econômico. E não é a pasta da Educação, já tão sobrecarregada, que dará conta de especificidades que abarcam o cinema, a música, a produção teatral, bibliotecas, produções de pesquisas. Sem tais bens, não é possível pensar grande. E a tradição musical brasileira mostra isto. Vejamos a presença longa da relação do tema fome na vida política nacional, curiosamente sempre ligada à questão cultural. Assim, é correto dizer que o cancioneiro nacional insiste no vínculo da cultura com o bem-estar da população em geral. Aliás, umas dessas canções funcionou como espécie de hino da geração que protestava contra o regime. Desde o título “Caminhando”, a primeira estrofe já rezava, em 1968, “Pelos campos há fome em grandes plantações/ Pelas ruas marchando indecisos cordões/ Ainda fazem da flor seu mais forte refrão/ E acreditam nas flores vencendo o canhão”. Vandré assim dimensionava uma das muitas contradições daquele governo que não conseguia esconder a fome que desmentia o mito do “milagre econômico” tido como maior que a razão cultural brasileira. Não é sem sentido que se explica porque essa canção foi proibida e os discos do compositor destruídos. A economia não venceu a cultura. Curiosamente no mesmo ano, com “Alegria, Alegria”, Caetano Veloso abordava o tema da fome dizendo relacionando-a à cultura “Por entre fotos e nomes/ sem livros e sem fuzil/ sem fome, sem telefone/ no coração do Brasil”. Como se os bens econômicos fossem autônomos e pretensamente isolados de outros aspectos, a tentativa de pensá-lo como subalterno revela a ignorância da noção de progresso, infelizmente, vemos pessoas apoiando atitudes culturais iconoclastas. Pior: políticas que se mantidas nos faram ainda avessos aos ideais de ordem e progresso.  

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