terça-feira, 27 de novembro de 2012

TELINHA QUENTE 60/TELONA QUENTE 65

Roberto Rillo Bíscaro

Já vi diversos documentários sobre cine de horror, gênero do qual gosto deveras. Destarte, quando soube da trilogia da BBC intitulada A History of Horror (2010), providenciei-a e a passei na frente na monumental fila de meus HDs externos.
O ator Mark Gatiss expõe as regras do jogo logo de cara. O critério de seleção é assumidamente seu gosto pessoal. Por isso, o título Uma História... Tendenciosa, a escolha lhe permite fazer afirmações a meu ver disparatadas, do tipo “o gênero horror foi o que melhor usou os recursos de som e imagem”. Claro que isso também coloca pontos de interrogação em muito das informações supostamente fatuais. Alertados, resta-nos mergulhar nas imagens de arquivo, conversas com atores e diretores, visitas a sets de filmagem e locações do que ele considera a nata do terror.
O primeiro capítulo, Frankenstein Goes to the Movies, aborda produções mudas e a febre de adaptações e derivações de Drácula, Frankenstein, Dr. Jeckyl e Mr. Hyde, que assustaram plateias durante a Grande Depressão trintista.
Ficamos sabendo de fofoquinhas como o escritor F. Scott Fitzgerald ter vomitado seu almoço ao voltar ao refeitório do estúdio e se deparar com parte do elenco de Freaks (1932), composto por pessoas com deficiência que faziam shows em circos. Não me surpreendeu a reação do autor do Grande Gatsby.

Também me toquei sobre a origem dum estratagema supercomum em filmes de terror. O diretor constrói uma situação de crescente tensão pra nos assustar com algo perfeitamente inócuo. Segundo Gatiss, esse truque tornou-se arroz de festa a partir do eroticamente carregado Cat People, de 1942 (A Marca da Pantera, refilmado em 1982, com a então musa Nastassja Kin(s)ky).
Essa parte termina no início dos anos 50, quando a febre de bilheterias foi os meus amados filmes de ficção-científica envolvendo discos voadores e animais agigantados atomicamente.
Home Counties Horror cruza o Atlântico e explora a influência e popularidade do horror britânico de baixo custo da Hammer e depois da Amicus. Gatiss confessa que talvez seja seu período predileto. Entendo-o bem: parte de minhas memórias infanto-juvenis é ficar em frente á TV até de madrugada vendo aqueles filmes que continham 3, 4 histórinhas de terror (da produtora Amicus) ou as mesmas caras e cenários dos filmes do Drácula, de Christopher Lee.
Indo de meados dos anos 50 até a primeira metade dos 70, a segunda parte do documentário alude á influência britânica no italiano Mario Bava, mas a ênfase recai sobre as adaptações de obras de Edgar Allan Poe, no início dos anos 60, pelo norte-americano Roger Corman.
O horror inglês- que sucumbiu à nudez gratuita, segundo Gatiss – encontra seu último rasgo de criatividade com o miniciclo de folk horror, de início dos 70’s. Um punhadinho de produções passadas no campo inglês traz comunidades seguidoras de ancestrais rituais pagãos: basta lembrar o cultuado Homem de Palha (1974). E eu que comi barriga por anos e não fizera a conexão entre esse ciclo e a popularidade do prog folk? Lembram quando escrevi sobre o Gryphon?
O documentário não fala, mas se fizermos o 2 + 2 necessário também notaremos o reacionarismo dessa corrente cinematográfica que usa muito do visual e da ideologia da geração do amor livre pra representar comunidades “anticristãs”, por conseguinte, más.

A trilogia encerra com The American Scream e a retomada do ce(n)tro do horror pelos EUA. Depois de tirar o chapéu pra psicose hitchcockiana, o documentário mergulha no fértil período de fins dos anos 60 a fins dos 70.
George A. Romero e sua crítica social via filmes de zumbi. A supremacia do demônio – levando a melhor – numa década assombrada por escândalos, previsões de cataclismos naturais e derrota num ianque num pequeno país asiático. A criação do primeiro “herói” de terror não inspirado em literatura: Leatherface, d’O Massacre da Serra Elétrica (1974).
Contando com nicho específico de fãs, que fazem convenções e têm sua própria rede de disseminação de informações, o gênero horror não necessita apenas de produções de grandes estúdios, mas pode contar com eficiente mercado independente, que, por sua vez, alimentará o mainstream com jorros de novas idéias. Mais ou menos o caso que relatei semana passada, do veterano Barry Levinson dirigir The Bay (leia aqui).
Pra Mark Gatiss, a hemorragia criativa do horror tornou-se filete a partir de 1978, depois do influente, Halloween, de John Carpenter (prefiro Jason Voorhees, mas não posso discordar que Michael Myers tem importância histórica maior. Grrrrr!). Ele reconhece que ocasionalmente algum filme de horror traga laivos de originalidade, mas não enxerga um movimento. Fora do eixo anglo-norte-americano, o Japão, México e a Espanha são citados. Mas, só.
Mesmo esse terceiro jorro criativo é relativizado, quando o documentarista afirma que seu legado foi uma geração de filmes que quer mostrar a tortura apenas pela tortura, gore por gore. Concordo que os pares de Jogos Mortais (2004) sejam mecânicos e chatos, mas dizer que há 3 décadas o cine de horror não vive onda criativa, quando antes há cada 10,15 anos ele enxergou uma, pode ser sinal de ranhetice.
A History of Horror tem o mérito de amar seu objeto de análise, o que o torna indispensável pra neófitos e/ou sazonados fãs que adoramos espiar o que não devíamos!

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