quarta-feira, 12 de abril de 2017

CONTANDO A VIDA 185

O MASCULINO E O FEMININO PARA OS “VELHINHOS DE TAUBATÉ”

José Carlos Sebe Bom Meihy

Luiz Fernando Verissimo é notável. Talvez, seja o nosso melhor cronista vivo, e, entre seus muitos personagens, um dos mais destacados é “a velhinha de Taubaté”. Ele próprio declarou que não sabe bem porque escolheu Taubaté como local de onde a protagonista, que ficou famosa, vertia suas ideias sempre retrógradas. Com certeza, a figura surgiu durante o governo do General Figueiredo e representava o último baluarte da defesa do conservadorismo. Aliás, em crônica de setembro de 2005, o próprio Verissimo, que já havia matado a velhinha, escreveu dizendo “prosseguem as investigações sobre a morte da ‘Velhinha de Taubaté’, que ficou conhecida nacionalmente por ser a última pessoa no Brasil que ainda acreditava no governo. O inquérito está sendo conduzido pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, dada a repercussão do caso. Um promotor sai de cinco em cinco minutos da sala em que está sendo interrogado o gato da Velhinha, o Zé, para informar à imprensa o que se passa lá dentro, embora o gato tenha, até agora, dito muito pouco. ‘Miau’, basicamente”. Não sou vidente, mas, sobre isso tenho umas hipóteses que são até bem esquisitas.
Outra opinião que tenho remete a um dos aspectos mais interessantes da minha querida cidade adotada: os espaços urbanos e suas ocupações pelos gêneros, masculino e feminino!... Ah! Como Taubaté é distinta de todas as demais congêneres. É única, sem dúvidas. Um dos lances mais curiosos dessa trama remete aos usos dos espaços públicos e privados. Por lógico, essa divisão é universal, existe em todos os quadrantes, mas o que nos distingue é o fato das apropriações por gêneros. Que outra cidade no mundo teve, por exemplo, uma missa só para os homens? Havia uma “sessão religiosa” exclusiva para senhores, às 9h00, invariavelmente aos domingos. E era concorrida, acreditem. Pensa que acabou aí? Nada! Na igreja havia espaços para congregações religiosas e quase que estamentalmente os grupos se subdividiam. E como era solene: meu paí, por exemplo, ia de terno e gravata. Eu ainda o ouço cantando “levantai-vos, soldados de Cristo...”
Os domínios masculinos também se dimensionavam na jornada ao Mercado Municipal. Explico: ir às compras era coisa de mulher, das esposas, mas os homens, os maridos, ficavam no centro conversando, trocando ideias, discutindo o futebol. Realizadas as tarefas, as mulheres se dirigiam aos respectivos e juntos retornavam para seus lares, eles carregando as bolsas. Como morava em frente ao Mercado, gostava imenso de ver tais cenas, que, mesmo não sendo da maioria, era de parte representativa dessa divisão de papéis de gênero.
Mesmo os jovens exercitavam tais práticas. Às saídas do cinema, em particular nos sábados e domingos, havia um delicioso footing. Sim, escrevi footing, como era conhecida a andança. Digo andança porque os homens, meninos ainda, ficavam parados nas calçadas e as moças andavam indo e voltando. E era uma festa só. Testemunhei muitos namoros que engataram a partir desse ritual. Sinal da desavença, quando rompiam também os casais, segundo o gênero, assumiam seus lugares: homens em pé, parados; mulheres andando...
E por falar em ritual, havia também divisão significativa nas procissões. E nem pensem que “acompanhar procissão” era coisa de mulher. Nada. Os homens iam e muitos eram fervorosos, os “congregados marianos” (adultos), e os “cruzados” (meninos). Havia uns préstitos mais concorridos que outros, e, nessa linha, nenhum ganhava da procissão de São Benedito. E tinha até sequência de cavaleiros. Tudo muito masculino, coisa de homem, de pai para filho e antes das mulheres vinham os homens, muitos vestidos com a opa beneditina. Na linha religiosa, as famílias insistiam nos colégios exclusivos para moças e para rapazes. As meninas iam ao Nossa Senhora do Bom Conselho; os meninos ao Colégio Diocesano. Diria que demorou para que as escolas públicas, mistas, ganhassem a preferência. Tardou muito também o fato dos educandários confessionais se abrirem para os dois gêneros.  
É claro que o futebol era coisa de homem. É verdade que mulher ia ao “Esporte”, mas sempre acompanhada. A praça da Catedral era espaço dominante dos homens, que, em rodinhas, se acertavam e resolviam temas típicos do tempo. Havia também locais proibidos, as chamadas “casas de tolerância”, locais em que os homens ostentavam a masculinidade e as moças que trabalhavam lá eram justificadas como “mal necessário”. Mas não convém esquecer, na linha das contravenções dos carteados. Sabia-se de salas escondidas, camufladas, onde a fumaça dos cigarros provava o ambiente masculino.  

E adiantando os códigos diferenciadores, tínhamos então que calça comprida era coisa de macho. Demorou muito para as mulheres de Taubaté se permitirem ser mais avançadas. O mesmo se diz de cigarros e até de dirigir. Bem, assim começamos a extrapolar os limites da minha cidade e se percebem generalidades. De toda forma, acima de qualquer suspeita, porém, cabe evocar a velhinha e os velhinhos de Taubaté. Depois deste inventário, pergunto sem pudor: será que Veríssimo nunca esteve em Taubaté? Será?...

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