segunda-feira, 26 de setembro de 2016

CAIXA DE MÚSICA 237

Resultado de imagem para pitanga em pe de amoraRoberto Rillo Bíscaro

O Pitanga Em Pé de Amora (PEPDA) nasceu em 2008, em São Paulo, da união de cinco músicos, compositores e arranjadores. Marcado pela criação coletiva e colaborativa, o Pitanga é formado por Angelo Ursini, Daniel Altman, Flora Poppovic e Ga Setúbal, que se revezam nos vocais e instrumentos. O nome vem de uma frase recorrente que os artistas usavam na adolescência: dizer que estavam mais perdidos que pitanga em pé de amora.
Com 2 álbuns na discografia – baixáveis gratuitamente no site do quarteto – o PEPDA não tenta contemporanizar a MPB adicionando elementos de eletrônica ou qualquer novo subgênero hegemônico. Não que haja algo de errado com isso, vide o excelente álbum deste ano da Céu. Mas, a pegada do Pitanga – que escolheu ser terra até no nome – é a pesquisa do cancioneiro nacional desde os anos 20,30 até a geração Jobim, Chico Buarque. Então, soa aquela sensação de MPB “tradicional” que vem de Ernesto Nazaré até à época em que Claudio Nucci, Jane Duboc e Fátima Guedes tocavam nas rádios. O resultado é um disco mais lindo que o outro. Literalmente.

O primeiro CD, "Pitanga Em Pé de Amora" (2012) é intimista, suave e a maior parte das faixas executada pelo próprio grupo. Começa com o samba-modinha à paulista assobiado/assobiável Quem Ouvirá; Andina (Siempre Adelante) é Tarancón de leve com valsinha; Frevo a Tempo é... frevinho, claro, mas, urbanizado, como todo o resto. Por que tantos diminutivos? Porque é tudo fofinho de ouvir. Ninguém Viu tem certa intensidade flamenca nas cordas, mas sem exagero dramático, afinal estamos no país da contenção bossa-novista e no contexto da classe média paulistana, para onde o PEPDA traz certo ar de interior do estado com a trotante Meu Caminho. Shot é xote escrito em inglês, que arrasta pé no meio, mas volta à cadência bem-comportada do início. Choro Bate Boca remete a um clima de Sampa idealizada anos 30, vira marchinha e volta a ser chorinho. Gostoso do PEPDA é que sua atualização da nossa música popular se dá na mistura acústica de variados sub-estilos e não na tecnologização do instrumental. Mas, como xenofobia é uó, o disco encerra com o jazz esfumaçado de Laura, totalmente anos 40, como a heroína noir homônima do filme de Otto Preminger (1944). Cuti cuti, gente, ouve só:


Em 2014, mais confiantes, maduros e gostados pela crítica, o Pitanga Em Pé de Amora desabrochou Pontes para Si, com seiva bem mais consistente que o primeiro. A música já não é cuti cuti nuti, mas encorpada e o álbum repleto de convidados, como Monica Salmaso duetando com Flora no chorinho nordestino Ceará. Adoro Poppovic cantando a nostalgia de “sua terra” com aquele sotaque paulistano. Além de Salmaso, trazem novas texturas e mais peso para os arranjos Lulinha Alencar (acordeon), Fi Maróstica (baixo), Douglas Alonso (percussões), Alê Ribeiro (clarinete), Will Bone (trombone), Teco Cardoso e Shen Ribeiro (flauta).


A primeira faixa é microcosmo do que aconteceu de um álbum a outro: Pescador começa com cuticutice de flautinha, mas aos poucos o arranjo se adensa com inclusão de instrumentos, culminando num clímax instrumental de banda de coreto de outrora. Já valeria o álbum; dá vontade de cirandar na praia com pescadores idealizados. Os sambas perdem o diminutivo, intensificam-se: O samba-canção Insônia tem rigor e intensidades buarquinos; o gafieirento Alma de Poeta vira sambão em segundos; ai vâmo pra Estudantina! A pesquisa de “nossos” ritmos segue em Baião de Fela, que atinge a intensidade-carcará dos anos 60. Em Sonhos Lúcidos, o triângulo nordestino dialoga com guitarra límpida; Gonzagão encontra Carlos Santana. E pra nós do país da intensidade intimista do cancioneiro de Jobim, Ivan Lins, Zizi Possi, Clube da Esquina, não faltam momentos líricos mais quietos e lindos como Tempo Novo, Oração, Alpinista e Descompasso. Ao final, Marchinha, marcha pelo ritmo que lhe nomeia, mas passa pelo jazz, “música árabe” e até faz gracinha funk (de James Brown, não se preocupem os que não suportam a “pobreza” da vertente nacional). 
Duas delícias de álbuns que não paro de ouvir!

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