sexta-feira, 1 de junho de 2012

ATOR CADEIRANTE RADICAL

Criança cadeirante faz novela e salto radical
Garoto venceu câncer quando bebê; agora, prepara-se para 'Carrossel'
Incluído desde cedo na escola e em atividades de lazer, João quebra visão de fragilidade e de dependência

JAIRO MARQUES
João Lucas Dutra Takaki era o maior e mais birrento bebê da UTI neonatal para onde foi logo ao nascer para combater um câncer na coluna. Ali, a mãe, Adriana Dutra, 35, já imaginou que o guri seria parada dura.
Nove anos depois, o moleque se prepara agora para estrear como ator mirim na novela "Carrossel", do SBT, e é uma das primeiras crianças "cadeirantinhas" a treinar manobras radicais em cadeira de rodas.
Apesar de o câncer ter sido vencido, a doença causou uma lesão na medula, o que acabou por levar os movimentos das pernas e também comprometer a sensibilidade abaixo da cintura e as funções fisiológicas do menino.
João viveu por seis meses em um hospital -após o tumor, ele teve hidrocefalia, acúmulo excessivo de líquido na cabeça.
Mas tudo isso ficou no passado. Com a chance de ser incluído e aceito, tanto na escola como em atividades diversas de lazer, o garoto quebra conceitos de fragilidade e de dependência de uma criança com deficiência.
É assim quando ele encara rampas íngremes de pistas de skate onde pratica um novo esporte radical no Brasil, o "hardcore sitting".
João também nada muito bem, pratica arco e flecha, vôlei, basquete e é goleiro do time da escola. Gosta ainda de dançar e de videogame.
"Às vezes, eu me esqueço de que ele não anda. É tanta estripulia que esse menino faz que a gente perde a noção daquilo que não pode fazer", conta Maria Lúcia Ferrari Dutra, 65, a avó do garoto.
"Ele veio ao mundo para me ensinar valores humanos, a olhar a diversidade das pessoas com respeito", diz.
A estreia de João Lucas com ator está programada para outubro. Atualmente, ele faz aulas de interpretação e de uso correto da voz.
"O Tom [personagem de João] será uma criança arredia, que não quer contato com ninguém. Não se diverte. A mãe quer ver o filho com outras crianças. Vai ser difícil ele concordar. Mas a turma da escola irá dar um jeito", diz o diretor da novela, Reynaldo Boury, sobre o papel do garoto.
Esbaforido após um treino intensivo de saltos, João foi breve nas palavras em entrevista à reportagem.
"A novela vai dar mais trabalho porque tem que decorar texto, fazer tudo certinho. Mas é muito legal de fazer. O 'hardcore' é cansativo, mas dá um friozinho na barriga. Eu adoro adrenalina." 

Radical, esporte é inspirado em skate e bicicleta
O esporte radical que João Lucas começou a treinar recentemente -já tem até patrocínio de uma marca de cadeiras de rodas resistente a impactos- chegou ao Brasil há cerca de quatro anos.
O "hardcore sitting" veio dos EUA, onde foi criado por Aaron Fotheringham, 18, o único no mundo a dar um giro de 360º saltando de uma rampa em cadeira de rodas.
"Não consigo nem andar de bicicleta e o João tem essa energia toda. É da natureza dele. Acho que as conquistas que ele tem tido vão ser refletidas para todas as crianças com deficiência, que poderão ser vistas de forma menos estigmatizada", declarou a mãe, Adriana Dutra.
Por causa de crianças que não tiveram as chances que seu filho teve, ela criou uma ONG de esportes adaptados para crianças chamada "Atitude Paradesportiva".
As manobras ousadas que João faz na cadeira foram inspiradas nos movimentos feitos com skates e com bicicletas especiais para saltos.
Pablo Moya Ruiz, 32, psicólogo e treinador de João, afirma que o esporte expõe as pessoas com deficiência "à liberdade" e não ao medo.
"Os cadeirantes vão conhecendo os movimentos, aos poucos. Vão ganhando confiança, aos poucos. Com as crianças, o trabalho é mais fácil, porque elas são mais corajosas. O João Lucas está muito motivado e tem talento, mas o que importa é levar benefício à vida dele, levar felicidade para ele", disse Ruiz.
Seguindo a iniciativa de João, o irmão, Luiz Alexandre Dutra Takaki, 12, começou a fazer manobras de skate.
"Meu irmão está abrindo caminhos. Está mostrando que as pessoas com deficiência física, ao contrário do que alguns pensam, não são paradas. Elas podem fazer muitas coisas", disse Luiz.
João já tem prazo determinado para fazer uma das manobras mais radicais do novo esporte, o "backflip" -cambalhota em que o atleta vem com velocidade em uma rampa e se projeta para trás, girando em 360º.
"Acho que vou conseguir, mas é muito difícil. Talvez daqui a uns cinco anos. Enquanto isso, vou treinando."
FAMOSO
No colégio Dante Alighieri, onde estuda, João é bem popular e disputado na hora do recreio. Todos os colegas querem dar uma "empurradinha" na cadeira.
"Ele tem um bom humor incrível. É pronto para tudo e é integrado em todas as atividades que promovemos. Trabalhamos o respeito às diferenças entre nossos alunos. É parte do projeto pedagógico que tenham um olhar sobre a inclusão", afirmou Silvana Leporace, coordenadora de Orientação Educacional da escola.
(JAIRO MARQUES) 

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