sábado, 13 de fevereiro de 2010

UM DELEITE DE LUXO


Roberto Rillo Bíscaro

Em 1984, o synth-pop dominava o mercado fonográfico. Cascatas de teclados inundavam rádios e pistas de dança ao redor do planeta. Eis que ao final daquele ano, era lançado na Inglaterra o primeiro álbum de Sade. A canção Smooth Operator voou alto nas paradas britânicas e, em 1985, nas norte-americanas. No Brasil, foi tema de novela e também tocou muito nas rádios.

Um memorável solo de sax, percussão latina, melodia suave, letra que fala sobre um homem que perambula pelos EUA vendendo seu amor (seria um playboy? um garoto de programa?) fizeram da canção uma surpresa entre os hits sintetizados da época. Pairando soberana sobre tudo isso, a voz aveludada e quente e a figura misteriosa, elegante, às vezes gélida, às vezes, não, de Sade Adu. Podre de chique, a cantora anglo-nigeriana virou diva instantânea.

O álbum de estréia, Diamond Life, vendeu horrores e colocou outras faixas nas paradas de sucesso. No ápice do glamour jeca de Dynasty, Sade aparecia clean, discreta, fina, um deslumbre. Estudara moda, trabalhara como modelo, a cantora era a materialização do sonho yuppie.

Devido às influências de jazz, soul, R’n’B, música latina e pop, a imprensa musical inglesa logo a classificou como New Bossa, uma espécie de conceito saco de gatos, que reunia grupos como Style Council, Matt Bianco, Everything But the Girl, Swing Out Sister. Em comum, todos eram sofisticados e alguns tinham influência de Bossa Nova.

Particularmente, sou fã de todos e de Sade tornei-me vassalo desde Smooth Operator... Ouvi a canção milhares de vezes, e continua tão excitante e esplendorosa como da primeira vez em que a escutei, há um quarto de século!

Sucederam-se os álbuns e Sade manteve-se bem sucedida nas vendagens e turnês. Sempre sofisticada, elegante, contida. Diva? Total. Mas diva reclusa, low profile. Misteriosa e arredia. Com exceção de uma multa por excesso de velocidade na Jamaica, nenhuma outra aparição nos tablóides. Sade nunca deu escândalo. Cuidadosamente, construiu uma imagem de diva pop/jazz pop que foge das badalações e nunca dá baixaria em público. Nas raras entrevistas, fala sedosa, baixa, contida. Sade É luxo!

Na econômica discografia (apenas 6 álbuns de estúdio, em 26 anos!), verdadeiros milagres. O grito de desespero final em Is It a Crime, depois de mais de 5 minutos e meio de contenção. A dramaticidade hispânica de Fear. Kiss of Life, que dá vontade de espojar-se e perder-se entre lençóis e almofadas de cetim... A dor abissal do relacionamento por terminar e da vida sem perspectiva de King of Sorrow (I'm crying everyone's tears /I have already paid for all my future sins...)
Em novembro de 2000, Sade lançou Lover´s Rock e depois 10 anos de silêncio, exceto pelo ao vivo Lover’s Live. No mundo pop 10 anos é uma eternidade, que vê artistas irem e virem. Quase toda geração anos 80, hoje não passa de nomes lembrados por quarentões como eu. Ano passado, uma aluna me perguntou se “um tal de George Michael” tinha sido famoso. Normal, eu também faria a mesma pergunta acerca dalgum artista dos anos 60...

No final do ano passado, ouvi que Sade lançaria álbum novo. Esperei ansioso pelo lançamento, dia 08 de fevereiro. Li que o álbum estava sendo aguardado com ansiedade por muita gente. Semana passada ou retrasada, Soldier of Love era o segundo álbum na lista de pré-ordens na Amazon! A faixa-título estava tocando nas rádios, não apenas nas voltadas pra quarentões, mas nas jovens também! Como boa diva, Sade era aguardada com avidez.

Vi algumas fotos, assisti a um par de entrevistas; ela continua linda, esbelta, chique, misteriosa, quieta.

Na nublada tarde do dia seguinte ao lançamento de Soldier of Love, apertei a tecla play e me deitei pra ouvir o tão aguardado álbum da agora cinquetona Sade.

Começa o álbum: guitarra plangente, flutuando sobre um naipe de cordas, entra um teclado agudo ao fundo, baixo gorducho, percussão tipicamente Sade. Aos trinta segundos, uma voz que soa por uma fração de segundos um pouco mais madura do que eu estava acostumado, mas imediatamente assume o tom aveludado de antes. Sade em plena forma e colocando o coração pra fora em uma letra sobre a dor do amor, tema que predomina no álbum. The Moon and the Sky – que me remeteu a King of Sorrow – é, disparada, minha faixa predileta do álbum até agora. Clássico instantâneo da banda (Sade Adu é o nome da moça e Sade o da banda).

Soldier of Love, a faixa-título, é a coisa mais moderna e menos Sade que Sade já fez! Perfeita simetria entre forma e tema. A letra estabelece diversas comparações entre o amor e um campo de guerra. A música abre com uma corneta que lembra algum toque do exército; a batida da percussão é seca, quadrada, militar. Lembra um pouco trip hop. Por isso tocou nas rádios pra jovens!

O resto do álbum é pura Sade! Influência de reggae, pop, jazz, soul, spiritual norte-americano e até uma batida que lembra um sambinha na abertura da fofa e aerada Baby Father.

A maioria das letras fala sobre a dor do amor e relacionamentos doloridos, o que faz Soldier of Love um álbum algo sombrio, mas não sem esperança de que um novo amor nasça.

Economia nos arranjos, letras reveladoras, a maturidade da voz enfumaçada de Sade, os toques modernos de algumas canções e a idiossincrasia de não se render á pasteurização ou ao saudosismo são alguns dos elementos que tornam Soldier of Love um deleite de luxo, que só podia ter vindo de Sade!

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