quarta-feira, 15 de março de 2017

CONTANDO A VIDA 182

ANIVERSÁRIOS: a fila anda...

José Carlos Sebe Bom Meihy

É muito estranho escrever no dia do próprio aniversário. Muito mesmo, diga-se. Sei lá o que significa “apagar as velas”, mas, a cada dia parece algo mais temeroso. “eu dizer dos cumprimentos que apelam para “mais uma primavera”, em particular quando se aniversaria em plenas “águas de  março, fechando o verão”. Seja como for, assumir a idade implica balanços sobre o existir e isso remete a zonas filosóficas conturbadas, obscuras e nem sempre nítidas. Invejo aquelas pessoas que nem ligam para o pretérito e seguem vivendo como se a existência fosse mais presente e futuro do que passado. Mas, sou dos “outros”, dos que acham que o passado é o presente ainda não acabado e que carece de desdobramentos. Engrosso a linha dos que acham que tudo continua e que não há capítulos findos ou desconexos. Sendo assim, viver o aniversário é como mergulhar em si mesmo, no momento mais solene do ano e exposto aos olhos de quantos nos cercam, familiares e amigos. E, desta forma, não há como fugir dos juízos que exigem algumas respostas fundamentais como: tem valido a pena viver?

Por favor, não pensem que estou melancólico, imbuído de pessimismo ou algum mau presságio. Nada disso. Gosto do meu envelhecer. Assim, devo esclarecer de saída que não temo minha morte. Pelo contrário, sem venerá-la, quero sentir seu abraço fatal quando chegar a minha vez. E que seu beijo nos seja consciente, pleno e se possível delicado. Acho que não lutarei pela vida, além do que ela já terá sido. O que me perturba muito é ver a morte alheia cada vez mais frequente. E como elas se multiplicam sem cuidado em ferir os que ficam. Medindo a fila que não cessa de aumentar, fico meditando sobre o sentido da existência em suas marcações impostas pela sina do calendário que vai, do seu jeito, escolhendo quem será o próximo. Pensar em quantos nos deixaram é como medir a vida pelos que se despediram antes e que, em recordações esfumaçadas, vão se distanciando, se deixando esquecer. E assim, não há como legar ao abandono a relação de tudo com o movimento voraz da vida e com o que realmente significa a morte. Sim, morremos de verdade quando ninguém mais sabe de nossa existência. O passado é muito rápido, muito ligeiro, e vai comendo reminiscências que, estas sim, envelhecem sem preocupação com qualquer futuro.

Não vou pôr em discussão a existência ou não de vida depois da morte. Como historiador, sei que deveria estar mais preparado para perceber o declínio de tudo. História é a luta pela legitimação da memória, pelo reconhecimento do sinal das coisas que devem ficar. Mas na seleção do que valeu, obrigatoriamente, mitiga-se o que é fátuo e viramos, no máximo, saudade. Aprendemos nessa lição o sentido de nossa insignificância. E então perguntamos: quem há de se lembrar de nós? Até onde alguém vai saber do sentido que procurei dar à minha experiência? Por quanto tempo perdurará nossa recordação? Quando olho a história de minha família, vejo pálidos vestígios de pessoas que foram heroicas, mas das quais pouco sei, ainda que tenham sido gente brava que atravessou o oceano e plantou a vida no Brasil, pessoas que lutaram contra a pobreza absoluta, que rasgaram estatutos identitários originais e que sobreviveram aprendendo outras línguas e costumes. Por certo, sou-lhes grato e reconhecido, mas, quando medido o desconhecimento que tenho de meus bisavós, fico perplexo e relativizo a vaidade de minhas toscas conquistas. De que valeu a façanha de nossos antepassados, se deles as memórias vão se apagando? Certamente, meus netos terão pálidas lembranças de minha passagem e formação familiar. E é bom que seja assim, pois seria mais difícil viver se as lembranças insistissem em montar praça.

A depuração destas meditações indica algo importante: tenho que amar mais os seres que animam meu viver. Entendo melhor agora, mais velho, o sentido da vida que pulsa no reconhecimento da partilha da vida. Nessa direção respondo a pergunta sobre a força do existir: sim, está valendo a pena, tanto que registro isso nesta crônica escrita em saudação aos parentes, amigos e pacientes leitores. 

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