quarta-feira, 23 de março de 2016

CONTANDO A VIDA 143

Inspirado pela publicação de uma foto de seu pai em um grupo de rede social, nosso historiador-cronista divaga sobre internet, memória, gerações e manifesta um desejo. 

SOBRE UMA FOTO DE MEU PAI...

José Carlos Sebe Bom Meihy.

Honrosamente, fui incluído em uma dessas listas que, sei lá porque, são conhecidas como redes sociais. Dias passados, aliás, gastei horas pensando na lógica do nome e para lograr algum sucesso decompus “redes”, separando-a de “sociais”. Fica fácil imaginar a lógica de “redes”, pois é mecânico arquitetar a malha tecida enredando “amigos” que chamam “amigos” multiplicando elos numa ilusão planetária. Confesso que acho até bonito este esforço visto pelo prisma da utopia humana e da fraternidade dos “afins”. Complicado mesmo foi justificar “sociais” porque para mim o social se realiza em sociedade, e só se constituiu tal situação no contato direto. Por certo, como profissional da área de humanidades, não deixo de reconhecer “social” na dimensão clássica do pensamento científico que alarga o conceito para grupos de pessoas afinadas ou submetidas a algumas questões sociológicas. Derivado dessas maneiras de pensar, me fica complicado admitir uma rede de “amigos” que não se veem e nem são sujeitos coletivos amoldados em causas comuns. E tudo se complica por meio de mediações exercidas por máquinas velozes e de clamores indiscretos. Permito-me não me deixar perder nas pantanosas discussões sobre vantagens e/ou desvantagens da internet e nem na formidável parafernália oferecida pelo mundo eletrônico. Seria, diga-se, inútil e demasiado monótono. Devo até dizer que entrar nessa discussão seria repetir chavões que desprezo, coisa do tipo “todo mundo fala mal da Rede Globo, mas ninguém deixa de assisti-la”. É verdade, mesmos os mais ácidos críticos dos “interfones” não conseguem mais se despregar deles. Nem eu...

Aconteceu de um grupo de amigos coetâneos, pessoas com quem reparti minha juventude, se articular de maneira esperta. Convite vai, convite vem, de repente um mar de gente se costurava emendando saudades. Tudo ocorreu com rapidez, pois pessoas que hoje beiram a sétima década de vida, por certo têm o que contar. E rola de tudo na tal rede: localização de pessoas distantes geograficamente, informações sobre falecimento de conhecidos, convocação política, apresentação de projetos pessoais, notícias de feitos importantes. Enfim, é uma alegria só. As surpresas se avolumam a cada nova postagem. Sem dúvida, se constituiu um espaço democrático, onde as opiniões mais se afinam do que divergem. Isso me é extremamente importante para medir o tônus da minha geração. Sem dúvidas, envelhecemos mais conservadores e pensando nisto me vejo repetindo o refrão entoado inigualavelmente pela saudosa Elis Regina, no verso perpetrado por Antonio Carlos Belchior, em “Como nossos pais”: “minha dor é perceber/ Que apesar de termos/ Feito tudo, tudo/ Tudo o que fizemos/ Nós ainda somos/ Os mesmos e vivemos/ Ainda somos/ Os mesmos e vivemos/ Ainda somos/
Os mesmos e vivemos/ Como os nossos pais”.
E por falar em país devo registrar algo decorrente da participação desse grupo. À guisa de esclarecimento devo dizer que leio religiosamente tudo o que é registrado. Emoções brotam aqui e ali e não raro viajo pelo país do meu passado interiorano. Dia desses, porém, fui surpreendido como nunca pensei ser capaz. Um amigo que cultiva a memória da cidade e da região, colocou uma foto de meu pai num campo de futebol. Pronto, foi o bastante para abrir uma legião de saudade. Fiquei atônito, pois além de tudo a foto é bela. Entre uma multidão de torcedores do Esporte Clube Taubaté, meu pai, de terno escuro, com um saquinho de pipoca na mão, na primeira fila, contemplava o time do coração. Segundo meus cálculos, a cena remetia aos anos iniciais da década de 1950, mas meu voo foi muito mais longe. Com olhos beirado de lágrimas deixei meu coração solto e ouvi vozes, o grito entusiasmado de meu pai que sabia o significado de um gol. Foi assim que voltei à letra da canção e que ainda me resta um tempo para voltar a viver “como nossos pais”. Preciso ir a um campo de futebol e mesmo sem terno, comer pipoca e me deixar fotografar para o futuro.  

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